quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Ele e o pudim

  Antônio acordou. Foi quando abriu os olhos que de fato despertou e viu. Viu o mundo e se viu, no espelho que se esticava na parede ao lado da cama. Isso não era bom, tinha lido em algum lugar, mas não ligava. Sentou-se mais rápido do que normalmente o faz nas manhãs do seu dia a dia. Olhou seu corpo sem camisa. Sempre tirava a camisa enquanto dormia, se considerava um sonâmbulo por isso. Antônio tocou seu próprio pescoço buscando sentir o pescoço roçar na mão e sentir a mão tocando o pescoço. Quis sentir como era tocar seu pescoço pelo que via, pelos olhos.
 Sou um adulto? Pergunta. Não era novo o suficiente pra ser novo e nem velho o suficiente pra ser velho. Adulto era uma palavra pesada demais, que as pessoas gostam de cuspir com catarro por onde vão e dizer como esse deve ser. Um adulto pode isso. Um adulto bom faria isso. Um adulto age assim. Um adulto é assim. E parece que nunca vamos conseguir aderir à todos os atributos do ser um adulto. Porque são coisas pra caralho, pensou Antônio. Subitamente tem sua reflexão interrompida por um dilema, que é " vou simplesmente dar o meu melhor".
  O que é o meu melhor? É o que faço no conforto? Mas são tantas coisas.... Estaria fazendo o suficiente? O que é o suficiente e quem diz isso? Quem colocou no papel o que fazer, como fazer e disse que devemos ir junto? Estou fazendo o meu melhor?
  Antonio levantou e foi até a cozinha e pegou pudim na geladeira. Estava faminto e era apaixonado por pudim. Antônio comeu em colheradas gulosas e com gosto. Saboreava, mas o fazia de um jeito bruto e rápido. Mastigava, sentia, engolia. Engolir vinha por último mas não era necessariamente o menos importante. Até esse tinha seu prazer, seu sentido aguçado. Era bom sentir a comida entrando, era prazeroso comer o pudim.
  E então seu irmão apareceu na cozinha, passou por ele e perguntou com uma voz afetada " Você tá realmente comendo o último pedaço do pudim?" Antônio levantou o olhar com uma colher na boca.
  "Sim." Respondeu Antônio inocentemente. Inocente? Havia culpa ali?
  Seu irmão passou por ele e começou a agir silenciosamente pela cozinha. Pegava potes, arrumava coisas e batia portas. Sua presença aumentou efetivamente a gravidade de Antônio, que se sentia mais cansado a cada segundo passado naquele silêncio ensurdecedor. Quando seu irmão finalmente saiu, ele foi até a pia e encheu a forma do pudim de água para não deixar nenhum doce duro na hora de lavar.
  Seu braço doía, suas costas ainda ecoavam da última dor e estava com sono, mas não queria dormir.

domingo, 26 de novembro de 2017

Memórias de outras vidas

Às vezes tenho essas memórias daquelas coisas que nunca de fato aconteceram. Fragmentos de tempo e espaço que me dão sensações únicas. Conforto. Um sentimento de ternura pelo qual nunca fui testemunha em 21 anos de idade.


  Luzes de natal colorem de forma instável os rostos sorridentes em volta da mesa de centro. Azul, verde, vermelho e amarelo invadem suas bocas escancaradas pelo riso e são engolidos ao fim do fôlego. Alguém contou uma piada mas não estou prestando atenção, estou preocupado em analisar aqueles olhos castanhos, a linha que se forma entre seus olhos durante suas gargalhadas, sua voz esganiçada. Abraço-o e me sinto seguro, ele me abraça de volta e me beija no pescoço. "Está tudo bem?" Me pergunta pelos olhos abertos e boca fechada. Sorrio em resposta, é minha maneira de dizer que estou bem. E a noite vai embora, com suas luzes, suas conversas de natal e seus amigos que brincam.

50/50

Sonhei. Quando acordei, procurei o significado e era afeto. Falta dele. Tenho. Preciso? Quero. Deveria? Sinto. E aí a dor no peito, um sopro frio dentro do corpo oco. E se meu corpo é vazio, minha alma é cheia, transbordando. Sou ímpar, de extremos. Ambíguo. Composto de opostos. Preocupado demais com o que pensam e nervoso demais com o que fazer, com o que dizer. À quem dizer, como, quando e por quê. Atento aos gestos, sou ansioso por abrigo e temeroso da solidão. Como posso amar tanto a companhia da minha sombra dançante pelas luzes de natal e chorar pela ida deles? Procuro a resposta nas nuvens, nos momentos de meditação, nas descobertas musicais e nas histórias que me tocam.  Procuro respostas.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A história de alguém vivo

  Seus olhos ainda estavam fechados quando despertou. Ouviu o vento uivar janela adentro e então os pelos do braço arrepiaram. Cobriu-se e encolheu-se como um pequeno animalzinho friorento em busca de calor. O vento continuava a roubar-lhe conforto. Ele uivava, rodava pelo quarto e cercava-o como um predador faminto. Cada brecha do cobertor permitia uma entrada violenta do frio em forma de ar que insistia em incomodá-lo.
  Abriu os olhos. E vieram. Todas as memórias. As conversas, os medos, os anseios, os erros. Tudo lhe invadiu a mente como um veneno que logo foi se espalhando pelo corpo. O frio ficou mais intenso. Observou as cortinas dançarem com euforia enquanto apertava mais a coberta contra si. Puxou todo o ar possível para os pulmões e falhou em tosses ruidosas. Cigarro, pensou. Fechou os olhos de novo. Viu seus pensamentos banhados pela escuridão. Tantas coisas... Tanto tempo...
   Sentado na cama, deixou a coberta escorrer pelo seu corpo nu e cair no chão aos seus pés. Olhou para eles e mexeu os dedos preguiçosamente. Juntou as mãos acima da cabeça e se esticou com toda a força que poderia recolher naquela manhã cansada de domingo, ouviu um estalo nas costas e se contentou. Foi até a janela contra o vento que já não despertava muita coisa no seu corpo dormente. Apoiou-se com os cotovelos no parapeito e observou a rua deserta que terminava na banca da esquina, com o seu José sentado num banquinho branco a fumar seus cigarros. Levou o olhar para os prédios, depois para cima deles. O céu estava branco, aquele branco frio e aconchegante que sempre lhe agradou.
  Cresceu ouvindo que o frio era ruim. Que a chuva estragava os planos e que as nuvens traziam dor, tristeza, angústia. Nunca fora assim com ele. Amava os tempos nublados. Sentar ao lado da janela com um café e olhar a chuva escorrer pelo vidro. Ver um filme embaixo das cobertas. Beijar alguém sob o céu nublado lhe preenchia o peito de tal maneira que sol nenhum prestaria-se ao feito.
  Mas o céu branco não lhe despertou muita coisa hoje. Minha cabeça está cheia, repetiu seu mantra. E realmente estava. Cheia daquelas pessoas, daqueles compromissos, daqueles padrões a seguir, daqueles sentimentos a domar. Sua cabeça estava cheia desde que abriu os olhos, estalou os dedos, levantou e viu que estava vivo. Queria cortar a correnteza que inundava sua alma e cansava seu espírito. Queria esvaziar de toda aquela água. Mas já estava acordado. Já estava vivo.
  Fechou a janela do vento mas não se atreveu a fechar as cortinas. O calor súbito já era o suficiente e não queria ficar na escuridão. E então fechou os olhos, encostou a testa no vidro gelado da janela e respirou fundo, dessa vez com os pulmões cooperando. Analisou tudo. Todas aquelas coisas que lhe preenchiam. Nem mesmo se preocupou em colocá-las em ordem. Apenas as observou.
  Voltou para a cama e deitou sobre os lençóis desarrumados. Cheio. Quente. Aquecido.
  Vivo.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Dor

Estive doente, de novo. Fui ferido lá dentro por algo que não vi chegar e nem ir, a bem da verdade, eu não vi. É invisível, é sorrateiro, é sutil. Comecei a sangrar uma hemorragia interna. Dores se espalhando pelo espírito, como tratar? Por experiência própria, sei que precisava tirar o veneno.
Precisava expor o sangue contaminado, dar fim ao tumor que se espalhava.

Mas não saía
De jeito nenhum, não saía.

Então antes que conseguisse me curar ao sangrar em lágrimas, deixei de lado. Aceitei, deixei a dor lá dentro, lugar que ela mesma chamou de casa por anos.E algum tempo passou, tempo de percepções deturpadas. Por algum motivo, foi-se, mas sei que não chorei

Talvez só tenha se assentado.
Talvez tenha sido curado.

Mas eu sei que não é nada disso. Nunca foi. Sou que nem água, mole, simples, facilmente corrompido. E não peno por isso, porque água também é forte. Água é clara, leve, constante produto de mudanças.

A dor sempre insistiu em me pedir casa. Hóspede fiel por anos, tive que quebrar o hábito. Não sou rio dessas dores.

Então, dor, me desculpe, mas não te oferecerei mais abrigo. Entenda que não deixarei de ser teu amigo, nunca esquecerei a necessidade que há em te conhecer, te aceitar e te entender. Então vamos manter contato, me mande cartas!

Só não posso te deixar ficar por muito tempo, não mais. Até te faço um café, sentamos na varanda e cometemos o erro cruel de olhar para o passado. Mas não fique. Saiba sua hora de ir pois uma hora o café vai esfriar e as memórias vão azedar nas pontas de nossas línguas. Saiba me dizer adeus porque afinal de contas você não faz parte de mim.
E de mim muitas coisas já fazem.


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Dança

Estendo a mão para oferecer a dança
Ritmo quebrado, escuridão no quarto, olhos fechados
Eu, meu café e meu cigarro
Paz, calma, música
A falta dos outros nem se sente
Monólogo santo, diálogo entre dois eu
Descobrir-se, abrir-se, amar-se
Introversão ao extremo do interior
Uma dança dessas não se nega
Se ame, se perdoe, se aconchegue
Se dance 

sábado, 7 de outubro de 2017

Eles

Estou aqui, estamos juntos
Piadas, comentários, citações, conversas
Mas por quê não me olham? Por quê não riem?
Quando falo as coisas que chegam a ser boas, não olham para mim
Trocam olhares, entre si.
São como crias no mesmo bando, sou como o visitante estranho
Sou como de fora
E é percebível
Entendível? Talvez
Se gostam muito
Me.... não tanto.
Fico pra me satisfazer, passar o tempo
É bom para mim?
Dizem que casa é onde você se sente amado
Sinto falta de casa

domingo, 1 de outubro de 2017

Sinônimo

sinônimo
adjetivo substantivo masculino
  1. 1.
    ling semt diz-se de ou palavra de significado semelhante a outra e que pode, em alguns contextos, ser usada em seu lugar sem alterar o significado da sentença.

Amor

Apego
Amizade
Afeto
Carinho
Estima
Benquerança
Apreço
Afabilidade
Afeição
Ternura
Simpatia
Bem-querer
Fraternidade
Afinidade
Benevolência
Respeito
Entusiasmo
Devoção
Paixão
Flama
Desejo
Chama
Atração
Fogo
Fascínio
Interesse
Ardor
Caso
Relacionamento
Namoro
Lance
Romance
Aventura
Cuidado
Dedicação
Atenção
Zelo
Sede
Fome

sábado, 23 de setembro de 2017

Você

Por que?
Me pergunto tantas vezes que é quase como se eu já pudesse ter as respostas. Quase.
Por que?
Foi quando, exatamente, que você perdeu o interesse em mim?
Talvez tenha sido quando me viu pessoalmente, penso com frequência. Eu sou magro demais pra você? Gordo demais? Alto ou baixo?
Me diz, me explica, qual parte de mim te disse "esse não"?
Talvez minha personalidade. Muito provavelmente meu coração mole e vermelho forte. Sinto demais, é isso? Ou talvez meu senso de humor bobo. Não te fiz rir?
Só me mostra. Aponta, nem precisa dizer nada!
Foi de onde eu vim? Minhas raízes. Onde eu moro? É longe? Perto demais?
O que foi?
Ou teria sido apenas a falta de interesse. Por completo. Acordou naquela manhã seguinte e pensou "não quero mais". A mudança súbita de gosto para desgosto.
Ou então, querido, foi você? Pergunta retórica, perdão. É claro que foi você.
Afinal, foi você quem foi embora, não? E teve todo direito. Sempre terá. Afinal, você é de si mesmo.
Foi você que não quis. Foi você que não gostou. Foi você que não achou o que queria.
Erro meu de pensar que o problema estava em mim. De pensar que não fui querido por ser quando na verdade não o fui por você. Porque se tu foi embora, os erros, problemas e desdesejos foram todos seus, amor.
Todos seus.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Sinceridade

Minhas palavras têm saído constrangidas, temerosas de não estarem me servindo certo. Escrevendo para outros, produzindo para estranhos.
Por que?
Eu vou ser sincero.
Pela atenção. Pela admiração. Pelo gosto alheio. Pelo like.
Então agora tentarei uma reconciliação. Me desculpa, minha arte?
Agora eu vou ser sincero.
Há esse desconforto no meu peito. Dor que vai subindo e para na cabeça, trazendo aquela instabilidade emocional que conheço bem até demais. Estou bem, sim, esse é um fato. Mas onde estou bem? Acho que estou bem na beira de um precipício. Um passo em falso e é adeus. Quero ficar bem em planícies, em lagoas rasas. Não quero cair.
Eu vou ser sincero, talvez eu ainda não tenha aceitado completamente estas últimas desavenças do destino que me aconteceram. Esses últimos distanciamentos e negações. Negações de fora pra dentro e de dentro para dentro. É bem verdade que entendi, mas entender nem sempre é tomar o entendido como parte de si. Saber o caminho da razão e se pôr a caminha-lo não quer dizer que você vai passar por ele sem problemas. Sempre disse que aceitação é cura, e acho que é disso que preciso agora.
É com sinceridade que digo as palavras : Quero ficar bem. Ficar bem mesmo. Não esse bem meia boca que me aflige o peito. E é com sinceridade também que prometo tentar ao máximo chegar a esse ponto.
Sou tão impaciente. Tão descontrolado. Tão cheio, sempre como um copo quase a transbordar. Qualquer movimento e água escorre. Não quero mais dessa água a escorrer. Vou ser sincero e digo que não gosto de chorar. O faço como válvula de escape. Instinto de sobrevivência. Vou ser sincero comigo mesmo e não vou me esconder atrás de aparências gostáveis. Sou o que sou. Não preciso vender isso para ninguém ou até mesmo dar de graça. É algo a resolver aqui dentro, sem opinião de terceiros.
Fui sincero, de coração, palavras e sentimento. Fui sincero porque sinceridade é clareza. Fui sincero porque os tempos são difíceis e os corações estão morrendo sufocando-se em mentiras.
Que as deusas abençoem os sinceros.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

phoenix

Ele se pergunta, se dói, se sofre
Refaz seus passos e analisa os dados
Toca no punho da faca empalando seu peito e sente o sangue quente
Sabe que se tirá-la vai sangrar mais, então se concentra, planeja

Ele se recua, se resguarda, se cuida
Procura um porto seguro, toma distância 
Grita silenciosamente por socorro
Corre, não sabe pra onde. Come, mas não sabe do que tem fome.

Ele se culpa, se julga, 
Aponta os erros, define-se nos defeitos
Entra em queda livre, silêncio na garganta
Cai, espatifa, desmaterializa, some

Ele se deixa, se vai, se morre
Sente saudade dos bons momentos
Pergunta sobre o peso dos mesmos
Acaba

Ele se volta, se guarda, se cura
Entende que o mundo é de ciclos
Que sentimentos devem ser vividos
Nasce de novo, amor no corpo, 
Aceita-se todo

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Meus olhos

Fiquei frustrado ao saber que tive uma ideia usada. A divagar sobre meus olhos, tive-os como uma extensão de mim mesmo. Uma janela para uma parte íntima e pessoal de mim. E é aí que Leonardo da Vinci chegou algumas centenas de anos mais cedo, dizendo:
"Os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo."
Vamos aos meus olhos. Eles são castanhos.Vinte um anos. Cresceram bem, enxergam de perto ou de longe. Já choraram muito e viram o dobro. Meus olhos. Lembro quando falaram que estes eram tristes, que mostravam o sofrimento que eu já havia passado e até mesmo o qual eu ainda iria passar. Outros disseram que meus olhos traziam um olhar infantil. Uma inocência que poderia, inclusive, ser o motivo da minha feição de criança. Ah, meus olhos....
Passei algum tempo perguntando o que eles queriam dizer. O porquê das suas ideias quanto aos meus olhos. Até que procurei a resposta no lugar onde todos os autoquestionamentos tomam vida: em mim. No dono dos olhos infantis. E lembrei que somos todos caixinhas. Maiores com o passar do tempo, sempre a encher-se de experiências, emoções, traumas, memórias, dores e amores. Sou uma caixinha e nem me disponho a começar a listar todo conteúdo. Há um erro obscuro em querer se definir com totalidade. Mas pense nessa caixinha de olhos. Meus olhos.
Entre mil coisas, sou de sentimentos. De sentir. De amar, animar, ter medo, de esperar, de desejo. Sou da sensibilidade e do favor ao autoconhecimento livre de quaisquer preconceitos. Sentir é arte e sentir demais faz parte. Talvez seja isso que meus olhos passam. Não é tristeza ou infantilidade. É essa pequena parte intrínseca, sensível e iluminada que guardo no meu peito durante todos esses anos. Uma essência que quase consegue me definir.
E volta e meia me pego com receio de manter as janelas abertas. O que vão pensar de minha casa? Os móveis vivem desarrumados e as roupas sujas se espalham pelo chão. Espero que alguém veja que não sou de todo bagunça. Espero que alguém veja que há ordem nesse pequeno caos que sou eu. Quando espiarem pelas minhas janelas, espero que vejam certo. Espero que me vejam.

Turistas

  Estou na orla do Gragoatá, meu campus da UFF. Estou deitado na grama e meus pés descalços sentem o vento gelado bater com uma sensibilidade atípica. O som é da água batendo nas pedras logo abaixo e o cheiro é de mato e água. Eu gosto daqui, de olhar toda a quantidade de água que se alastra até a enorme ponte Rio-Niterói e além dela. Também gosto dos diversos barcos, navios, barcas ou seja lá os nomes desses veículos aquáticos que se espalham como brinquedos de criança pequena pelo chão da sala. Tudo isso me conforta, me acalma.
  Porém, não estou realmente lá. Estou em casa, sentado na varanda a ver nada além do meu quintal e seus muros. Mas sou um escritor, logo, um mentiroso. Não estive, de fato, em metade dos lugares que visitei. Alguns eu criei, outros arranjei passagens temporárias, universos alheios. Sempre um anfitrião de escassos leitores ou um convidado de amigos escritores.
  De palavras somos todos turistas.
 

domingo, 17 de setembro de 2017

Fumaça

Acende, traga, sopra, pensa
Mudança dos meus antigos e novos
Agrego, altero, evoluo

Traga, sopra, pensa
Categorização do ser, divisão, segregação
Regulamento de como ver, como querer

Traga, sopra, pensa
Sufocamento de desejo, medo
Conhecimento, aceitação, cura

Traga, sopra pensa
Autoconhecimento, autoajuda, autoamor
Peso nos ombros, falta de tempo, força

Traga, sopra, pensa
Calma, paz, presente, agora
Impermanência

Traga, sopra, pensa
Apaga

domingo, 13 de agosto de 2017

urgência

O problema foi notar.
Perceber que sou de fases, que mudo os ares.
O problema foi descobrir que sou uma constante mudança.
Eu tinha o costume de ver meu futuro como algo sólido, como algo palpável. Mas hoje sei que as coisas não são assim. E há sim, um certo conforto em saber que não há o que me prenda, em saber que não há o que seguir. Mas e aí? Agora que me vejo com mil possibilidades, quero agarrar todas.
Quero tudo. Quero todos. Quero sempre.
Querer, querer, querer. O pior pecado das nossas almas.
Vejo uma gama infinita de chances e acabo me perdendo nelas.
O que realmente sou? O que realmente quero? Não sei. E talvez nunca saberei.
Querer, querer, querer.
Sei que quero paz. Mas também quero agarrar o mundo com meus braços. E mesmo que eu saiba do potencial, meus músculos fraquejam, minhas mãos são escorregadias demais. Vejo tudo esvair pelos meus dedos como areia de praia. Insatisfação. Frustração. Desespero. Os problemas são outros, as urgências também. Os medos mudam também. Em fotos e textos me vejo em diferentes versões de mim mesmo, diferentes vontades. Sei que vou continuar mudando pra sempre, meu medo e meu conforto. Mudança. Algumas coisas levarei para vida. Aceitação é cura. Mudança é fato. Amor?
Memórias me formam não mais do que objetivos. Ânsias, vontades, alvos. Sempre me fazendo quem eu realmente sou. E o que eu quero? Tudo.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Uma carta de esclarecimento do futuro.

  Você vai, sim, passar por dias difíceis. Você vai ter que lidar com rejeições. Você vai querer ao máximo se conhecer melhor e saber suas qualidades mais incríveis, que muitas vezes parecerão inexistentes. Vai conhecer mil pessoas e pelos mais diversos motivos, vai parar de falar com metade delas. Você vai amar muito alguém e ser correspondido com uma apatia de mesma intensidade. Você vai chorar por alguém que morreu. Ou até mesmo por alguém que, em vida, foi embora. Você vai querer coisas que não estão ao seu alcance. O tempo todo. Você vai sonhar e muitas vezes se culpar por isso, porque les temps sont durs pour les rêveurs. Você vai chorar muitas vezes e vai passar uma boa parte dos seus dias numa procura desesperada por motivos para ficar, para continuar aqui, de olhos abertos e mente acesa.
  Eu escrevo isso pra te confortar. Escrevo na data de hoje, três de julho de 2017, alguns dias antes do seu aniversário de 21 anos, mas meu objetivo aqui é atemporal. Minha carta é do futuro. Ela é para o Eduardo de anos atrás, pro Eduardo de hoje e até mesmo para o de amanhã. Resumidamente, ela é para o eu de alguns dias atrás, alguns erros atrás. Ela é para o eu são e racional, ciente de que vai tudo ficar bem.
  E, realmente, tudo vai ficar bem. Uma hora ou outra vai. Dias difíceis vão te dar um tempo. Você vai entender uma hora ou outra que tá tudo bem ser rejeitado e que não devemos nos qualificar pelos olhos dos outros. Você vai cada dia se conhecer melhor e vai se orgulhar disso. Vai se orgulhar de quem você se tornou. Você vai, também, entender que relações entre pessoas podem ser complicadas e é sempre bom dar tempo ao tempo. E levar as coisas com amor e calma. Você vai entender que o amor é tanto simples quanto complicado, e que um dia você vai conseguir amar alguém. Ou não, e está tudo bem nisso. Você vai entender que nem tudo é pra sempre e vai aprender também como dizer adeus. E o mais importante de tudo: Você vai entender que a única pessoa que decide quando é o fim ou não é você, e mais ninguém. Então, acalme-se. Vá ouvir uma música e escrever algo. O futuro é sempre mais brilhante do que se imagina.

domingo, 25 de junho de 2017

Divagações do significado da arte

Arte. O que é arte?
Arte é subjetiva. Então, começando por aí, vemos que ela não é pública, mas estritamente pessoal.
Pra mim, por exemplo, a arte está em se expressar. Tirar algo de dentro de você e pôr na ponta dos dedos. E produzir. Agora, o produto pode agradar ou não. Pode ser belo ou feio. Pode ser bom ou ruim. Mas a questão é: Quem pode dizer?
Você acabou de se materializar, tirar um pedacinho de você e expor aos outros. Você está pegando o seu íntimo e se despindo. Mostrando aos outros uma parte de você tão secreta que chega a ser embaraçoso.
Eu, Eduardo Bessa, escrevo. E essa é a minha forma de arte. É a minha forma de me mostrar e dialogar comigo mesmo. É só me colocando em palavras que consigo entender a mim mesmo. Só assim eu consigo me entender e ter um pouco de compaixão à mim mesmo. É depois de terminar de escrever meus textos e parando para revisá-los que eu percebo o que está realmente acontecendo com o mundo. O que está acontecendo comigo. Pra mim, arte é clareza.
E as vezes me sinto mal por que não escrevo. Me sinto um traidor porque sei que quando está tudo bem eu não me sento em frente o computador e produzo. Não há pensamentos confusos e épocas tempestuosas para por na mesa e dissecar. E então chego a conclusão de que a arte também pode ser egoísta. Tão requisitada mas muitas vezes facilmente descartada como remédios de alguém que interrompeu o tratamento cedo demais.
Por fim, arte é arte. Tão inteira e autônoma que é quase uma piada tentar defini-la em palavras. Assim como o amor, é comercializada, vendida e culturalmente conhecida. Mas diferente e única para cada um. Intrínseca em cada um de nós com tanta naturalidade e complexidade que muitas vezes não a reconhecemos. Mas estará sempre lá, a arte. E quando precisarmos de ajuda, chamamos ela. Porque só a arte salva.

Lugar de conforto

Me desculpe razão, mas não importa o quanto eu te idolatre, você não tem espaço nesse argumento. Porque eu sei, qualquer um diria que aqui é meu lugar de conforto. No quarto da minha casa na minha cidade pacata às sete da noite com a brisa fresca entrando pela janela. A música me agrada, o clima também. E minha casa é a mais ordinária e cheia de conforto que se possa imaginar. Mas não é aqui. Não é aqui meu lugar para agora.
Acho que talvez esse seja bem longe daqui, no alto de uma montanha a ver o sol se por. Ouvindo música com algumas companhias agradáveis que insistem em conversar sobre os porquês e pra quês da vida. Talvez meu lugar não seja físico. Talvez seja tudo na minha cabeça.
Na verdade, é claro que está tudo na minha cabeça. E fugir talvez me distanciasse dos problemas que me cercam por aqui. Fugir com as pernas ajuda a fugir com a mente, provavelmente porque somos limitados psicologicamente nesse quesito. E isso é bom, não?

A nitidez da dor compartilhada

  Só se passa na minha cabeça. Ninguém me vê sentindo por eles, mas eu sinto. Até mesmo agora entre as minhas dúvidas de quais palavras escolher e onde encaixar os pontos e vírgulas, eu sinto por eles. Vejo na sua frustração aquela dor incompreendida. Entendo o porquê. Tenho compaixão. É como me ver num espelho, e é justamente por isso que eu sei que não há muito o que fazer. Não posso ajudar. Certos tipos de dor só se resolvem quando a ajuda vem de dentro, e nem mil palavras serviriam. Eu vejo eles rangerem, consigo imaginar cada peito sendo apertado por aquela agonia tóxica. Gostaria de poder fazer algo quanto às dores compartilhadas, mas me reservo na minha impotência. Desejando por tudo não ser tão maleável e mutável. Desejando não ser tão suscetível e dependente do que me cerca. Desejando não ser tanto como mim mesmo.

sábado, 17 de junho de 2017

Insatisfação hereditária

  É muito tempo perdido procurando . Somos, desde o início, procuradores. Sedentos. Felicidade? Amor? E aí acabo no clichê. Mas não quero um texto com teor de distopia literária adolescente. Quero um verdadeiro questionamento. Procuramos, e muito. Não achamos com frequência e quando conseguimos algo de fato, nos questionamos se aquilo é realmente o que queríamos. Somos, por natureza, insatisfeitos.
  De acordo com provas pessoais nada palpáveis (mas com certeza testemunháveis) posso afirmar que muitas das vezes quanto mais procuramos, menos achamos. Não me refiro aos amores perdidos ou almas gêmeas destinadas a ser. Quero falar dos sentimentos, estados de espírito. A ânsia em ser nos afasta, quanto mais desespero aplicamos na procura, mais embaçada a jornada fica. E um dia, na viagem de volta pra casa, livre de quaisquer pretensões, sentimos. Os encontros com a felicidade são porque ela nos achou, e não o contrário.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Amor

Calmo e inquieto. Leve e pesado. Rígido e maleável. Arrebatador e gentil. Amor não é emoção compartilhada, é traço pessoal. Amor define quem ama e deixa a pergunta de como amar pairar. Pairar e voar para longe, junto com a racionalidade doada daqueles que amaram e erraram. Por que é sempre bom no início e nem tão feliz no final. Superestimado e hiper categorizado, as vezes era mais fácil deixar ele simplesmente ser. Amar sem querer, por querer, onde der, onde quiser, onde puder. Outras vezes era mais fácil deixar ele simplesmente ir. Amar sem prender, sem querer, sem machucar. Tão usado, tão maltratado e tão julgado. Deixa todos os preconceitos amorosos pra lá e vem me mostrar como é que realmente se gosta. Me dá aquele seu carinho no cabelo no fim daquela tarde de quinta feira junto com o cheiro de cafezinho fresco. Vem me amar.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Rejeição

Eu dou o meu melhor para ver a razão. Entender que uns não encaixam. Uns não gostam. Uns não querem. Uns não devem. Mas é tão ruim o sentimento de ser colocado de lado. De ser deixado, inutilizado. Eu dou o meu melhor para ver a razão, mas só consigo ver a rejeição. O não sutil e o adeus mascarado de até logo. É sentimento demais para converter em racionalidade, a balança desequilibra. Eu dou o meu melhor para ver a razão, que isso é a vida. Que gosto é subjetivo e amor não se encontra em cada esquina. Mas é muito sentimento. Muita coisa. Então fico triste. Fico rejeitado. Eu dou o meu melhor para ver a razão. Ver que a repetição da quebra e a quantidade de vezes que deu errado é normal. Ver que há insistência na dor e tá tudo bem nisso. Eu dou o meu melhor. Mas as vezes meu melhor não é o bastante. 

domingo, 21 de maio de 2017

Demônios

Tenho medo dos demônios. Esses que moram aqui dentro. São vândalos, destroem meu espírito. Tento expulsá-los, tento matá-los, mas não consigo. Quero caçá-los, tê-los em minha mão e não o contrário. Tomar controle de mim e respirar por mim e amar por mim. Entender por mim, ser feliz por mim e ter raiva por mim. Não por eles, demônios sujos. Mas eu os crio, os alimento. Dou comida, casa e atenção. Eles sabem que sou mole e se aproveitam disso. Se aproveitam de mim. Malditos. Antes de dormir, imagino meus dias sem eles. Planejo futuros livres e independentes. Dias chuvosos, felizes e confortáveis. E se não consigo acabar com meus demônios agora, dou ao tempo o encargo. Me deixo levar sem realmente ter me dado. Deixo eles pensarem que me tem. Ganho tempo. Cresço, aprendo, fortaleço, não pereço. E dia por dia, golpe por golpe, corte por corte, viro assassino. Tomo de volta o que é meu. Livre. Novo. Ex-refém. Matador de demônios.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Testemunho de invasão

O carinho vinha de seus dedos feito lixa
Áspero, pegajoso, asqueroso
Sua respiração corroía minha nuca
Por quê tão perto? Tão íntimo
Não quero
Não quero mas não nego
Momento, embaraço, mente confusa
Choque
Sinto seu prazer encostar no meu corpo
Mas de mim, só nojo, repulsa
Estou sujo
Finjo sono pesado, finjo de morto
Mas ele continua insistindo
"Posso te roubar um beijo?"
Por que beijei?
Não sei
Não quero
Sujo
Me sinto sujo
Não desejo à ninguém tais invasões
Não desejo à ninguém o corrompimento dos seus limites
Não desejo à ninguém
Não desejo
Não
Só isso
"Não"

sábado, 13 de maio de 2017

Gratidão para alguma coisa, deus, natureza ou só eu mesmo.


As risadas com meus amigos, minhas e deles
As viagens vigiadas pela lua cheia
O carinho do vento no rosto, nos dedos do lado de fora da janela do carro
As vistas
As músicas
Os filmes
As partidas ganhadas
O doce
O cheiro de café de manhã cedinho
O choro
O sentido em continuar
O pensar, o existir
A aceitação
As piadas internas, a sincronia e o amor compartilhado
Os amores
Os sexos, os beijos
Os feitos, os desejos
O avanço, o crescimento
Os devaneios, pensamentos em segredo
A reflexão inspirada da tardinha de sábado
O estar aqui. Viver aqui
O querer
O ser

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Uma carta de amor para mim mesmo

É engraçado, te ver aí, nervoso, inseguro, triste. Triste. Principalmente triste. É engraçado porque eu vejo seu potencial. Vejo como sua tristeza é forte mas também vejo como sua alegria é intensa. Ela é quente, contagiosa e bonita. E é só assim, te vendo de fora, com um olhar distante, que posso realmente te enxergar. Queria poder te gritar as coisas mas tenho medo que não me escute. Embora eu saiba o quão perfeito você é, também sei como você se nega tanto. Como você vira as costas para sua beleza. Ah se eu pudesse te fazer ouvir... Te fazer acreditar. Seu sorriso é do que mais gosto. Ele mostra que tá tudo bem, é seu porto seguro. Quando você ri, me sinto quente, sua risada me satisfaz, me acalma. É tão ruim te ver assim, com os cantos da boca para baixo.  Eu sei que as vezes você chora para tirar essa dor de dentro de você, dor que insiste em crescer, e me orgulho disso, claro que me orgulho. Mas por favor, não chore por muito. Te amo, dos textos sinceros aos trocadilhos sem graça. Não deixe ninguém te fazer pensar que você não merece ser amado. Porque você merece. Então, assim que a dor ir embora, sorria. Quero te ver intenso, ardendo, sendo. Quero te ver se amando e se vendo. Processo lento que começa de dentro. Então por mim, por nós, continue crescendo.

Culpa

Não se culpe
Pelo que ama
Pelo que ouve
Pelo que lê
Pelo que escreve
Pelo que diz o horóscopo
Pelo que pensa
Pelo que entende
Pelo que fala
Se culpe por ouvir os acusadores
Que te gritam "culpado!"
Porque não há culpa
Em ser quem você é
Nem em amar
Nem em ser amado

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Carência

É quando eu penso como me estilhaço, estrago, arraso por deliberada vontade, estremeço. Sinto falta de algo, um alvo. Mas quando vou dar nome aos bois, você aparece. Coloco seu nome na minha carência e teu lindo sobrenome na minha solidão fria de sábado à tarde. Te gosto, te gosto muito. Poderia até dizer que te amava. O que eu sinto falta e penso em você é só parte das bagunças de um cérebro confuso e um coração desajeitado. Sinto ou vou sentir sua falta.

E eu posso ser sincero aqui porque você nunca se interessou pela minha arte ou meu blog mesmo.

terça-feira, 11 de abril de 2017

gente

A gente se ama, se chama, se engana
A gente se beija, se deixa, se enfeita
A gente se desentende, se entende, se vende
Eu e você. Sempre por pronomes reflexivos que nem esse amor recíproco
Porque se houve algo, houve amor
Mas as coisas acabam, o rio seca, as árvores caem, o sol se esconde e a lua mostra a cara
Às vezes é só o tempo, pedindo suas mudanças tão cruciais, radicais e melancolicamente cruéis
Só o tempo querendo dizer que ele não é mais nosso e não somos mais dele
Por isso eu vou nessa, vou com o tempo, porque ir contra certas coisas só nos faria sangrar mais
E eu não quero que sangre, querida, nunca quis.
A saudade dos nossos tempos vai machucar um cado
Mas é porque valeu a pena, né?

sábado, 1 de abril de 2017

tempo

Tantos tempos querendo me provar
Mostrar, expor, ser por outros
Me encaixar numa avaliação alheia
Tantos tempos perdidos
Tantos dias vividos sem ter realmente sido
Perdidos em prioridades conturbadas e agrados mal direcionados
Tantos tempos dados para outros
Quando deveriam ser apenas meus
Tantos sorrisos, amigos, conhecidos
Tanto tempo acompanhado mas mesmo assim sozinho
Quero mais tempos
Quero viver sendo meu próprio querido
Ter o meu tempo e ser dele
Do jeito que sempre deveria ter sido

quarta-feira, 29 de março de 2017

fim

Matei meus homens
Cada um deles
Morte lenta, sofri devagar
Cada memória, cada frio na barriga
Sangraram até o último suspiro
Se despediram ao meu antigo pedido
Matei meus homens
Todos eles
Deixados, largados, esquecidos
Matei meus homens
Que nem nunca tinham sido meus
Apenas seus
Veja a confusão que se deu
Matei meus homens
Cada rosto, sem desgosto
Foram embora numa lembrança vaga
Porque eu sou assassino
E meu passado, morto, tá indo
Indo embora como um antigo amigo
Sozinho, antes querido, oprimido
Vazio, ruindo, não mais me ferindo
Matei meus homens
E esse é o fim

domingo, 19 de março de 2017

Cigarro

Tentei inutilmente não acordá-lo ao sair do sofá e tirar suas pernas do meu colo. Fui até a janela e agradeci pela brisa que tocava meu rosto, estava fresco lá fora. O homem da Sérvia já estava acordado quando eu sinalizei para seu maço de cigarros para pedir permissão antes de pegar um. Ao abrir, vi que havia um cigarro de cabeça pra baixo, sei que há certos motivos pra isso e não o peguei. Ele me avisou sobre isso quando já estava pra acender o cigarro na boca, acenei positivamente. Em tragadas rápidas e nervosas acabei com ele rápido. Nunca tinha fumado tanto em tão pouco tempo, minha pressão abaixa. Nas últimas tragadas eu sopro a fumaça e vejo nas formas cinzas que voam pela janela do quinto andar a minha vontade de sensibilizar e deixar tudo mais íntimo. Mas é só fumaça. É só ar cinza se dissipando no ar frio das ruas de Icaraí. Sempre mais simples do que parece.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Descontrole

E é assim que me perco, querendo controle. Buscando informações, avaliando tudo o que eu não preciso avaliar, percebendo o dispensável e me torturando com o descartável. Como posso esquecer de aceitar? De ver as coisas como são, de simplesmente entender? Não é como se o mundo fosse cooperar comigo só porque eu quero trabalhar bem com ele. O mundo não vai cooperar. As coisas não vão ser da minha maneira só porque estou, seja lá de qual ponto de vista, 'fazendo por onde'. O mundo é selvagem, as pessoas são selvagens. Sentimentos são esmagados sem nem mesmo um relance de maldade. Cidades acabam em ruínas, árvores caem, pessoas morrem, relacionamentos explodem. O tempo todo. E o que eu, coisa pequena, poderia fazer? Se há algum controle que posso ter, esse é o de deixar ser. O meu controle é descontrolar. O meu defeito está em querer acertar tanto. Vou sair agora, está na hora de errar, de deixar ir, de deixar ser como é. Acho que é isso a vida.

Controle

Estou liberto, por alguns minutos, mas liberto. Preciso correr para cá e escrever enquanto ainda estou sóbrio, enquanto ainda estou são. Preciso fazer um pedido, um apelo, um último grito de socorro. Me livre desse amor, me livre dessa dor. Esse amor que tantos falam e superestimam está aqui dentro, me despedaçando por dentro, querendo me dar facadas nos órgãos internos e mesmo assim impedindo que o sangue apareça na superfície, porque ele é esperto, o amor. Ele quer que a batalha toda seja interna, sem ajuda de ninguém, sem apelo emocional exterior. Ele quer que você se foda consigo mesmo em silêncio. Mas não de todo ruim, claro que não. O querido é bem vindo as vezes, mas as vezes, para pessoas com pouco controle como eu, ele gosta de tomar as rédeas. E isso NÃO PODE acontecer. É difícil me colocar em primeiro lugar quando tudo isso escurece minha vista e me deixa com esse pensamento de paixão por terceiros. A paixão de dentro se esvai, fica só aquela de fora. Aquela por aqueles que não merecem. Por aqueles que não precisam. Me despedaço, me corroo, me mutilo por dentro. Mas são todos machucados que cicatrizarão com o tempo. São apenas coisas que me deixam mais experiente. Sempre vindo, sempre machucando, sempre saindo. Santo seja o controle, e que eu o tenha por quanto tempo o amor ainda quiser me despedaçar.

domingo, 5 de março de 2017

Segredo

Meus pais, chaveiros,
Não foram de grande valia na hora de desvendar segredos
Meus mecanismos são mais complicados que fechaduras
Minhas chaves, perdidas, quem dera se eu pelo menos tivesse uma ou duas
Todas as horas me perguntando
É o suficiente?
Mas talvez o segredo seja não saber
Não ter respostas que talvez seriam grandes demais para mim
Respostas que esmagariam minhas perguntas e as tornariam descartáveis
Talvez o segredo seja, também, não querer saber
Saber e entender é público, ser é secreto
Ser é segredo

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Mãos

Não segure minhas mãos
Não cruze seus dedos nos meus
Não beije suas costas pra vender carinho
Não as aperte pra demonstrar intensidade
Não acaricie meu polegar enquanto presta atenção nas coisas que  eu falo
Não se entretenha brincando com meus dedos
Não segure minhas mãos porque eu vou pensar que você quer ficar
Não segure minhas mãos porque eu vou pensar que vai durar
Não segure minhas mãos porque não quero me apaixonar
Não segure minhas mãos se você não me amar

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Flor

(Queria tratar desse texto como uma carta de amor à todas as pessoas que me ajudaram, da maneira que podiam, a finalmente entrar num estado onde fosse possível poder escrever tais coisas com tanta sinceridade e calor no peito. Amo vocês.)


  É normal não percebermos o que temos até perdermos tais coisas. Como já dizia aquela música de The Head And The Heart, "10,000 weight in gold never feels like treasure until you lose it all." Mas nesse caso, não é como se eu tivesse perdido ouro.
  Faz alguns dias que meus dias são apenas DIAS. Normais. Mas agora me dei conta. Eles não estão "normais". Se os vejo assim, isso é culpa dessa vontade humana irritante de normalizar tudo, de alinhar os altos e baixos da vida, de NÃO DAR IMPORTÂNCIA. Onde eu quero chegar é: Meus dias mudaram. Isso ( minha vida) não é normal. Não ter aquela angústia sem sentido apertando e torcendo meu peito não é normal. Acordar e não ficar triste por isso não é normal. Não ter medo do silêncio e da solidão noturna não é normal. Parar de pensar que eu não poderei presenciar certos eventos futuros porquê eu não sei se EU poderei me manter a salvo até lá não é normal. Percebo agora que perdi muito nesses meses e é com um prazer curioso que me vejo bem.
   É engraçado ver as coisas sem esse peso escuro e violento pintando meu espírito em tons sombrios. De alguma maneira, sinto-me sem dor, só com amor pra dar. De alguma maneira, sinto-me uma flor, finalmente a desabrochar.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Quadro

  Temos pincéis e somos quadros vazios. Saímos de casa e pintamos, mas não nós mesmos, não nossos quadros. Por que? Minhas cores não condizem com as suas. Minha pele não te pertence. Não sou teu quadro! Então, de rebeldia colorida, me pinto. Minhas cores, minhas tintas, meu quadro, meu pincel. Mas eles se enfurecem, querem ditar minhas cores, cortar meus valores. Me deixem sentir minhas dores!
  Vamos, por amor, ser artistas dos nossos próprios quadros. Vamos, pelo amor à nós mesmos e pelo amor dos amados, nos pintar com nossos próprios e adoráveis traços.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Catarse

  Acho que andei uns 20 minutos pra chegar aqui. Não é o melhor lugar para o que eu pretendo fazer, mas é o melhor que consegui. Há 3 crianças brincando com uma bola, eles me observam de volta por um tempo mas não tem porque perder tempo comigo. Continuam a brincar.
  Nos últimos dias estive sedento por razão. O tempo todo em busca de racionalidade. Porque assim as coisas se simplificam. Assim as coisas se tornam mais toleráveis. Mas hoje eu procuro outra coisa. Algo que ainda não sei o nome, mas sei que existe, e eu vou ter.
  Não vou dizer que esta é a razão porque a racionalidade não resolve os problemas por si só. Sempre essencial, sim, mas integral não. Sei disso porque não podemos (nem sempre e não desse jeito) racionalizar nossas emoções. Ainda mais tantas e tão fortes quanto as que eu guardo aqui dentro.Apoio que elas merecem ser sentidas e cada uma delas valorizada.
  Então, apesar de tudo, eu sinto. Vou sentir e não vou me envergonhar disso. Acho que lembrei do que vim procurar aqui: Catarse
  Eu quero seguir em frente e eu vou. Eu vim aqui para sentir e seguir, porque se eu não racionalizar que eu NÃO POSSO racionalizar tudo, se eu não sentir o suficiente para que depois eu não tenha aquele vazio por dores mal sentidas, se eu não me dispor a ter uma solitária reunião comigo mesmo eu talvez não consiga. Talvez não consiga continuar.
  Mas estou aqui. Estou sentindo. Estou progredindo. Estou aceitando. Estou crescendo. E, me afastando das emoções por alguns momentos, quero me perder em razão. Porque ela me diz que tudo é temporário, ela me diz que é normal não se ter o que quer, ela me diz que as coisas não costumam a dar certo e ela me sussurra gentilmente no pé do ouvido que um dia vão dar.


CATARSE
Substantivo Feminino

1- na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega, libertação, expulsão ou purgação do que é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por isso, o corrompe.
 
2- estét teat purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, esp. dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico
 
3-psicn operação de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente, liberando o paciente de sintomas e neuroses associadas a este bloqueio.
 
4-psic liberação de emoções ou tensões reprimidas, comparável a uma ab-reação.
 
5-psic efeito liberador produzido pela encenação de certas ações, esp. as que fazem apelo ao medo e à raiva.   
 

sábado, 21 de janeiro de 2017

Armadilha

Sinto os dentes da armadilha furarem meu tornozelo. Estou estático. Preso como um urso indefeso no meio da floresta. Qualquer movimento pode aumentar a ferida e fazer sangue jorrar por todos os lados. Olho para o meu pé dentro dos dentes e me pergunto se isso irá me libertar tão cedo. Agora dói, a incerteza me captura em angústia. Mas a maior dor não é a mordida ou a prisão temporária. A maior dor é continuar imaginando como vai ser quando eu for libertado. Continuo imaginando quanto sangue vai sair e quanto tempo irá demorar pra cicatrizar. Tudo de novo. Dor e Choro. Me dar por todo. Sem pedidos de socorro. Não quero ser solto.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Doux

Je suis entré dans ma chambre méthodiquement. C'etait tout bien différent, de peinture murale aux planchers de bois récemment placé. Je me suis arrêté derrière mon vieux bureau et j’ai respiré à fond. Je passais des heures dans cette chaise à jouer en ligne avec mes amis. Ah, je manque les bons moments ! À ma droit, le mure reste sans mes vieux posters déchirés. J'adorais écouter des musiques couche dans mon lit jusqu'à je suis arrasée. Maintenant, le mure est perdu dans un peinture bleu noir. Aujourd'hui c'est tout plus simple. C'est tout plus normal. Cette chambre cache ma passé, je n'appartiens pas ici. Je sors ma chambre e je ferme la porte avec affection.

J'appartiens au présent, même si le passé à été très doux.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Arte

A arte está no distanciamento. No andar na rua, na visão única, sem o véu do blasé. A arte está em ver as coisas de longe, como elas realmente são. Os artistas nasceram para pegar aquilo que é comum, subestimado e normal e nos afastar disso. Quando nos afastamos, podemos julgar melhor, podemos apreciar melhor. A arte é isso.
Quando faço meu percurso até a faculdade, aquele mesmo que já fiz quinhentas vezes, eu não costumo olhar, não costumo perceber. Os pássaros no céu, a água e a ponte distante. É tudo parte da minha rotina, do meu normal. A repetição nos rouba a arte. A mesmice, o dia a dia. Mas então, quando estou felizmente disposto, eu me afasto. Olho aquele cenário como um turista. Vejo as coisas como se fosse a primeira vez. "Olha aquela ponte, como é enorme! A água, tão vasta... Provavelmente muito funda também." É tão... belo.
E assim a arte nos salva, nos afasta e nos tira do terrível blasé. A insana arte é a maneira mais eficaz de manter o mundo são.