quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Ele e o pudim

  Antônio acordou. Foi quando abriu os olhos que de fato despertou e viu. Viu o mundo e se viu, no espelho que se esticava na parede ao lado da cama. Isso não era bom, tinha lido em algum lugar, mas não ligava. Sentou-se mais rápido do que normalmente o faz nas manhãs do seu dia a dia. Olhou seu corpo sem camisa. Sempre tirava a camisa enquanto dormia, se considerava um sonâmbulo por isso. Antônio tocou seu próprio pescoço buscando sentir o pescoço roçar na mão e sentir a mão tocando o pescoço. Quis sentir como era tocar seu pescoço pelo que via, pelos olhos.
 Sou um adulto? Pergunta. Não era novo o suficiente pra ser novo e nem velho o suficiente pra ser velho. Adulto era uma palavra pesada demais, que as pessoas gostam de cuspir com catarro por onde vão e dizer como esse deve ser. Um adulto pode isso. Um adulto bom faria isso. Um adulto age assim. Um adulto é assim. E parece que nunca vamos conseguir aderir à todos os atributos do ser um adulto. Porque são coisas pra caralho, pensou Antônio. Subitamente tem sua reflexão interrompida por um dilema, que é " vou simplesmente dar o meu melhor".
  O que é o meu melhor? É o que faço no conforto? Mas são tantas coisas.... Estaria fazendo o suficiente? O que é o suficiente e quem diz isso? Quem colocou no papel o que fazer, como fazer e disse que devemos ir junto? Estou fazendo o meu melhor?
  Antonio levantou e foi até a cozinha e pegou pudim na geladeira. Estava faminto e era apaixonado por pudim. Antônio comeu em colheradas gulosas e com gosto. Saboreava, mas o fazia de um jeito bruto e rápido. Mastigava, sentia, engolia. Engolir vinha por último mas não era necessariamente o menos importante. Até esse tinha seu prazer, seu sentido aguçado. Era bom sentir a comida entrando, era prazeroso comer o pudim.
  E então seu irmão apareceu na cozinha, passou por ele e perguntou com uma voz afetada " Você tá realmente comendo o último pedaço do pudim?" Antônio levantou o olhar com uma colher na boca.
  "Sim." Respondeu Antônio inocentemente. Inocente? Havia culpa ali?
  Seu irmão passou por ele e começou a agir silenciosamente pela cozinha. Pegava potes, arrumava coisas e batia portas. Sua presença aumentou efetivamente a gravidade de Antônio, que se sentia mais cansado a cada segundo passado naquele silêncio ensurdecedor. Quando seu irmão finalmente saiu, ele foi até a pia e encheu a forma do pudim de água para não deixar nenhum doce duro na hora de lavar.
  Seu braço doía, suas costas ainda ecoavam da última dor e estava com sono, mas não queria dormir.