quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Limpeza

O dia foi quente. As horas passavam e o calor permanecia na pele. Cada vez mais grudento, molhado, quente, desconfortável. Minha cabeça doía. Meu corpo cansava. Colocar a cabeça em baixo da água gelada foi incrível. Limpeza. Água fria do banho jogando o calor longe. Recuperação de energias. Vi a vida no banho gelado. Cansaço, tropeços, calor. O que é seu banho de agua fria? Acho que o meu está nas piadas sem graça, nas músicas boas, no presente bem aproveitado e nas esperanças renovadas de um futuro melhor.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Perfeição

Como Eça de Queiroz mostrou
a perfeição está onde tudo é eterno
belo, duradouro, permanente, imutável
Está no nunca mudar, no amor a perdurar
Na árvore cheia de frutos feita da promessa de nunca tombar
E o mundo? O planeta terra. As águas e as terras
É de perfeição? É de promessa de durar pra sempre?
Não.
Somos imperfeitos, impermanentes, mutáveis
Tudo passa, nada fica
Choramos nas despedidas de amores perdidos e entes queridos
Choramos porque sofremos nossa imperfeição
O mundo é imperfeito
Mas, apesar de tudo, nas entrelinhas achamos a salvação
O tempo não para mas esse é o nosso fardo e nossa perfeição
Perdidos nos nossos desastres, o perfeito está em amar sem durar
Amar o temporário
Uma vez eu li que para escrever um livro é necessário pensar em palavra após palavra
Página após página
Então, dia após dia, sobreviveremos 
Seremos perfeitos enquanto sermos

sábado, 3 de dezembro de 2016

Foto

Me vi numa memória distante. Daqui à mil anos, olhando uma foto antiga, uma foto minha. Eu e um filho, talvez, numa barraca iluminada apenas por dentro. Estamos acampando no meio de uma floresta. Estou jovem, com um sorriso suave no rosto. Que bom que alguém tirou essa foto. Quem deve ter tirado mesmo? Não sei. Mas estamos felizes nela. Meu filho vê essa foto velha e diz que até que poderíamos ser  um tanto parecidos. Ele me pergunta se eu era feliz naquela época. Acho que sim.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Decreto

Estou sentado num colchonete estendido no chão da minha varanda com meu cachorro no lado. Ele sempre vem quando me preparo para a meditação, o King. As vezes penso que ele gosta da minha companhia, mas é só provavelmente pelo colchonete mesmo.
Agora, escrevo sem precisar manter a coluna ereta, aliviado por ainda não estar meditando e tendo que enfrentar aquela dor chata nas costas. Estou aqui para fazer um decreto:

*Decreto, agora, no dia 22 de novembro de 2016, que tudo está mudado. Agora é tudo novo, tudo diferente!*

Ok, a despeito do fato de que "tudo mudado, tudo novo, tudo diferente" é, no mínimo, irracional, visto que TUDO está sempre mudando, sempre sendo novo e diferente. Então não poderia haver algum momento da nossa vida que tudo vá realmente mudar.  Estou repetindo as palavras, divagando nas pautas erradas do assunto. Mas este é um decreto, não vejo problema em me demorar. Até porque é bem capaz do número de pessoas a ler isso não ser superior a 0.

O vento bate forte no meu corpo. Não consigo deixar de perceber as folhas das árvores dançando, se esforçando para se soltar e ir com o vento.Voltando:

Vou tentar ser conciso: 2016 foi um ano incrível e horrível. Foi muito bom e muito ruim. Na real, nele tive os melhores momentos e os piores momentos de toda uma vida. Tenho 20 anos, isso é algo.
A pior parte foi quando minha depressão me levou para o fundo do poço ao mesmo tempo que eu descobri uma série de complicações - incuráveis- nos ouvidos.

Ok, eu continuo defendendo que não há grandes mudanças ou inovações nas nossas vidas já que, para mim, vivemos em constante metamorfose. Mas devo admitir que dessa vez, dessa única vez na minha vida inteira, eu tive um divisor de águas. Tudo antes desse último breakdown nunca mais voltaria a ser como era. Minha vida depois disso com certeza não foi a mesma.

Voltando: Eu tive isso tudo acontecendo. Ouvido, coração ferido, depressão no seu mais alto potencial. Ao mesmo tempo.
Nos últimos meses pra cá eu tenho meditado, tenho mudado minha postura quanto a tudo. E tenho melhorado. Passo os dias pensando nesses problemas no ouvido e tentando aceitá-los, mas já não tenho as crises de depressão que tinha antes. Sei que dessa vez, a despeito de qualquer enfermidade que meu corpo tenha e insista em continuar, eu sei que minha mente está fazendo o certo. De qualquer maneira, tudo mudou, pra valer.

Antes disso tudo eu estava constantemente pensando se a vida valia a pena mesmo. Se valia a pena chorar até dormir por me odiar por chorar até dormir. Era algo que eu demorava a responder, as vezes deixava até a pergunta pra lá.

Mas agora eu consigo ver as coisas com mais clareza. Quando estou com o ouvido entupido- uma constante nos meus dias - e com o zumbido insistente a me incomodar bastante, me pergunto se isso tudo está valendo a pena.

Sim.

O banho quente. Minha varanda dotada de vento, quietude e natureza. A natação naquele dia chuvoso. As crises de riso com aquelas pessoas que eu gosto tanto. Os momentos de perfeita sensação de plenitude. Os momentos em que me sinto completo, disposto, com um motivo para estar aqui. Posso sim ver que tudo vale a pena. E que ainda valerá muito mais um dia.

Então esse é o decreto.
Decreto que tudo mudou. Que as coisas ainda podem ser difíceis, mas há porque continuar aqui. Há porque não desistir. E desistir nem passa mais pela minha cabeça.

A vida é tão bela.  

sábado, 19 de novembro de 2016

Alho

Sabe as memórias? Guardo elas. Gosto de colecioná-las, visitá-las de tempos em tempos. Salvá-las da poeira e organizar tudo direitinho nas prateleiras da alma. E aí que eu lembrei de você hoje.
Mas não lembrei simplesmente de você. Do teu rosto já sou familiarizado. O passeio do seu sorriso já é comum aqui atrás dos meus olhos. O que resgatei foi uma lembrança guardada lá no fundo da prateleira, derrubada e empoeirada, como um livro esquecido. Não foi por querer, eu simplesmente deixei de visitá-la e a larguei para trás. Talvez fosse meu cérebro eliminando aquilo que não deve ser lembrado. Talvez seja meu cérebro querendo ter a racionalidade que me falta.
A questão é: A memória, por ser tão pouco lembrada e tão quase esquecida foi absurdamente impactante. Ela veio junto de um frio na barriga que me perdi por uns momentos nos seus detalhes.
Foi quando senti o gosto de alho na comida e lembrei da Abramović comendo alho naquele filme dela sobre sua jornada pelo Brasil. Lembrei que foi você quem me levou pra ver esse filme. Lembrei da frustração de quando toquei no seu braço enquanto assistíamos o filme e não recebi resposta. Quando chorei numa parte bonita do filme, ouvi você fungar e vi que você também chorava. Lembrei quando, naquela sala escura de cinema, deixei meus devaneios me levarem para longe com você. Quando saímos, você me deu carona na sua bicicleta e eu lembro bem como você cansou de ter feito todo o percurso de Icaraí até sua casa comigo na garupa. Os beijos desse dia, nossos toques, o sexo. Tudo dentro desse pacote de memórias.... E agora? O que faço com tudo isso?
Acho que limpo, guardo junto do resto. Me perco algum tempo olhando com orgulho e felicidade. Uma pequena conquista. Um prazer de poder guardá-la ali, junto de todas as outras memórias que coletei. Olho para o lado e vejo prateleiras vazias e prontas para receber mais informação, mais dias, mais experiências inesquecíveis.
Porque, meu bem, como a graciosa Elis canta, minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Bem

Sentado na esteira de meditação
ou no caminhar arrastado para casa
Os pensamentos vêm, vão, vêm, vão
Alguns ficam tempo demais
Oferecem perigo ou carinho
O libertador é saber que apesar de tudo
não sou o que penso
e o que penso não sou eu
Sou um corpo, uma alma, uma voz
Se entrelaçando com esse mundo que me foi dado
com as pessoas que me foram sentidas
e com a história que me foi escrita
Não sou medo, angústia, ansiedade, tristeza
Porém, também não sou alegria, amor, carinho e nem força
Sou nada e isso me permite ser tudo.
Mas a questão é: A vida é bela e estamos nessa para sermos felizes
Porque com tanta injustiça no mundo alguém tem que fazer o bem
Então decreto que sou o que me faz bem
Abro as portas para todos os sentimentos pois cada um deles merece ser sentido
Cada um deles merece ser compreendido e logo depois despedido
Não sou o que penso, sou o que quero
E eu quero ficar bem.

Céu

Hoje, enquanto nadava de costas ( desengonçado e com água entrando pelas narinas e boca), olhei para o céu. Estava com algumas nuvens cinzas, cercadas pelo azul opressor. Alguns pássaros voavam beeeem ao longe. Não sei quais pássaros eram. Aqueles que sempre tem no céu, sabe? Me perguntei se eles, os pássaros, estariam voando plenamente, sentindo o vento bater nas suas asas e suas penas fazendo força para se soltar do corpo, a diferença de pressão com a altura que eles estavam e tudo mais. Talvez estivessem. Digo isso porque não acho que eles foram criados numa cultura truculenta onde o passado e futuro têm mais força que o presente. Assim como os outros animais, eles foram poupados disso. Ah, pobre de nós humanos...
Então me atentei ao céu, logo depois dos pássaros voando em atenção plena. Acho que o céu é o pedacinho de vida que tanta gente insiste em se agarrar. Quero dizer, pra mim, uma das opções mais viáveis do que há depois da morte é o nada. Pensamento um tanto perturbador, este. Vou me apressar: A vida é tão bela e o céu é tão belo que as pessoas se agarram a eles. Procuram uma vida após a morte com céu acima das nuvens ou inferno abaixo da terra. Amamos muito o lugar em que vivemos mesmo inconscientemente. Nos apegamos às coisas sem notar. O paraíso e o inferno estão aqui. Agora. E eles precisam ser valorizados.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Amores

Coleciono lápis e amor
Quero um lápis de cada país e um amor de cada coração
Lápis naquele estojo especial e amor nas lembranças
Lembranças dos abraços, dos carinhos, dos toques
Nesses amores em formas de lembranças eu vou guardando
Um pedacinho de cada um deles, uma pequena parte dos seus respectivos "ser"
Porque é isso que sou. Uma constante coleta, constante mudança
Sou um constante crescimento.
E ser nesses dias é difícil. Ser é complicado e muitas vezes mal amado
Ser é perigoso.
Então deixarei bem guardados todos os meus lápis e meus amores
Minhas coleções de tanto apreço, tanto apego...
Mas não pego, não prendo, não aprisiono
Deixo ir. Deixo ser. Assim como eu, eles também tem o direito
Amar é deixar ir e vir. É aceitar as coisas como são. E são como água de rio.
Que vem, passa e vai.
E é amando que eu aceito. É multiplicando amor, doando, recebendo e trocando.
Amar é aceitar. Aceitar é amar.
No final das contas, acho que é assim. meu crescimento.
Amando, aceitando, indo, vindo, correndo, andando, ficando parado.
Impermanente e Permanentemente mutável. 

domingo, 6 de novembro de 2016

Like

Nos perdemos na aflição do amor
Amor dado, vendido, trocado
Follow por follow, like por like
Gosto do verbo aimer em francês,
ambiguidade, amar ou gostar
Telas de vidro nos limitam a críticos
Te digo se gosto ou não
Se te dou ou não valor
Digo se você vale ou não
E se dizemos que o valor dos outros está nos likes
Onde estão nossos valores?
Em erradas valências, vale tudo
Hipocrisia desenfreada, show de aparências
Fiz que nem eles, postei na rede
Me mostrei hidratado mas me dei com sede
Trinta curtidas, trinta polegares levantados pra mim
E agora? Já deu a hora, vou-me embora
Menos likes e mais agora

domingo, 30 de outubro de 2016

Único

Por que esse sentimento singular de que você é único? Na verdade, não é que eu sinta isso, o que sinto é outra coisa. O que sinto é que meu sentimento por você é único, singular, excêntrico, sem par. Mas por esse momento de texto divagante, vamos levar em conta que não somos únicos. Que somos todos iguais. ( Me desculpe mãe terra, sei que tu nos criaste todos únicos até as pontas dos cabelos, eu só quero ignorar tal fato para, por um momento, sustentar minha ideia.)
Desde que a raposa falou para o pequeno menino príncipe sobre o que é essencial, venho com essa ideia de unidade. Te peguei como uma rosa igual entre todas as rosas, e aí você me cativou, e aí eu te vi como uma rosa diferente, singular.
Mas já não te quero. Rosa, saia daqui! Pena que, embora lhe vire o rosto, ainda consigo sentir teu perfume, ver, mesmo de olhos fechados, sua beleza cativante. Seu vermelho ardente ainda me aquece, mesmo contra minha vontade. Maldita ideia de unidade. Maldita ideia de que você é único!
Me prendo a toa. Passo por outras rosas e não dou seu devido valor porque me cativei a você. E mesmo tirando pétala sim e pétala não perguntando "ele me ama?" você continua na minha mão, viva e assustadoramente perfeita. Única.
Então porque? Porque apontamos os outros e os unificamos? Num mundo tão solitário e frio tais atitudes são no mínimo irracionais e mal pensadas. Não vou dizer que quem manda é o coração. Acredito que nossos sentimentos não são independentes. Eles são nós assim como somos eles. Mas digo, sim, que somos estúpidos. Somos seres desprovidos de cautela que amam, gostam, odeiam e unificam os outros.
Mas você me entende quando digo que a estupidez é nossa maior fraqueza mas ainda assim nossa maior força?
Somos todos estúpidos, e eu gosto disso.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Tombo

Hoje eu caí. Caí de lado com força no chão. Mas as circunstâncias foram, no mínimo, diferentes de um tombo normal. O que me jogou no chão da rua não foi mera gravidade, foi uma bicicleta enorme com um cara em cima. Ele caiu comigo também. Caímos juntos. Ouvi alguns palavrões mas não sei quais ele falou e quais eu falei, foi uma confusão total. Quando levantei, perplexo, o cara começou a examinar a sua bicicleta enquanto me ofendia, explodindo de raiva. Apenas olhei ele enquanto terminava de analisar sua bicicleta, subia na mesma e ia embora.
Cadê a FUCKING empatia? Compaixão? Consideração, sei lá a melhor palavra. Bem, com tantos anos nesse mundo seco e desprovido de boas maneiras, o surpreendente é ainda nos surpreendermos com essas coisas.
As partes que ralei e cortei agora ardem quando tomo banho. As feridas são sem graça mas doem que nem o inferno, qual é a graça disso?! Deveria ser o contrário. Minha camisa rasgada virou pano de chão em menos de 5 horas.
Engraçado é que eu fiquei procurando um pensamento certo. Algo que devesse ser pensado após ser atropelado por uma bicicleta. Pensei no meu irmão que morreu atropelado por um carro. Foi a minha experiência mais próxima disso. Mas não... Algo mais. Procurei no decorrer do dia alguma faísca do que eu deveria pensar. Dor? Tristeza? Fúria? Nada. É claro que fiquei bem descontente. Quero dizer, eu nunca tinha visto uma bicicleta tão grande. Eu capotei no asfalto com um completo estranho que posteriormente iria me chamar de nomes feios. Mas e agora? É perturbador esse vazio preenchendo o lugar daquilo que achamos merecer alguma coisa importante. O vazio que substitui seja lá o que for que deveríamos sentir. Deveríamos pensar.
Bem, fazer o que. Parece que vou continuar como ontem, depois como hoje e depois como amanhã. Fazer caso das coisas pequenas só porque quero e ignorar os tombos que levo. 

sábado, 22 de outubro de 2016

Consuelo

Consuelo, Consuelo, Consuelo
Não to acostumado a fazer poema pra gente
Mas pra você eu faço, algumas palavras soltas
com muito valor, meu pequeno presente
Já vi esse teu cabelo escuro em mil tamanhos diferentes
seu humor em mil cores e seu coração em mil dores
seu olhar, um doce de mil sabores e sua alma, ah.... mil flores
Não sei até que parte eu sou daí, dessa sua vida de raízes mineiras
mas você está aqui, me enchendo de graça, amor e outras coisas
Feliz em me ver, você grita migo e me abraça
Feliz em te ter, eu rio e perco a fala
Vamos, então, nos perder nos compartilhamentos de dores e amores
Porque eu sinto muito de você e sei que você sente de mim também
Então é isso, Consuelo
Te tenho em zelo, em muito te vejo sem qualquer apelo
Feliz aniversário, Con, Consu, Consuelo. Consugrelo.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Nadar

  A piscina é funda. Mergulho o suficiente para encostar os pés no piso, dou um impulso pra cima e depois de inspirar com selvageria, encosto os pés na parede atrás de mim e me lanço para frente. É libertador, meu corpo cortando a água e fazendo parte dela. Mãos apontadas para frente, movimento que progride, avanço, suavidade, descanso.
  E então preciso me esforçar. Braçada, ar, braçada, soprar, braçada, ar, braçada, soprar. Chutar para dentro, mexer os quadris, mexer os pés, mexer as pernas. É tudo mais pesado, aquático. É cansativo, explícito, rígido.
  Mas estou na água. Estou no meu lugar, no meu elemento, no meu eu. Tento me focar numa natação em atenção plena, então coloco meus pensamentos na água entrando e saindo dos meus ouvidos, na respiração forçada, no meu rosto molhado. Mas não consigo. Estou cansado demais, quero me perder nos meus vícios de fazer metáfora de tudo, pensar em tudo, lembrar de tudo. Então a cada braçada penso nos rostos, nos momentos, nos desalentos. Penso nele, naquele outro, naquelas coisas, penso em mim. Penso naquele instinto sórdido e mau que quer fazer o pior de mim. Mas peço ajuda a agua, porque ela me entende tão bem, me completa tão perfeitamente...
  Eu nado e não há nada mais. Eu nado porque, por um momento, as coisas são simples e eu só preciso chegar de um ponto ao outro, não importa o quão difícil pareça. Quantos quilômetros se fazem dos metros que devo ultrapassar. É simples.
  E não seria realmente tão simples assim? Invoco de novo, para você que lê meus textos, aquele meu querido mantra. Como água de rio, vem, fica passa. Aceitação é cura, e eu gosto de dizer isso desde que soltei a frase com ele, e ele disse algo como "isso é algo bonito".
  E aí que eu continuo em constante cura. A vida passa o tempo todo me fazendo aceitar coisas, mas não digo sobre aceitar aquilo que posso mudar, ou aquilo que eu preciso mudar e que, racionalmente, deve ser mudado. Eu falo de resiliência. De ver as coisas como são e abraçá-las desse modo. Abraçar-me como sou, aceitar-me como sou. E aceitar tudo como é, mesmo que as vezes pareça uma perfeita merda.
  Então estou eu na fila do ônibus, bem nadado e cloro no cabelo. Fones de ouvido tocando Young The Giant. Quando chega no fim da música, onde tem apenas um instrumental, penso em pular a faixa. Mas me freio por um momento. Por que eu quero pular de faixa só porque essa está no fim? Por que não me deixar levar, com calma, pela playlist suffle do meu celular? Com o dedo pousado no botão, inspirei, expirei e aceitei o fim da melodia. Ouvi seu instrumental com um pensamento acolhedor, com uma postura de recebimento. Aí veio o silêncio. A música acabou, a fase acabou. Passou. Sem medir esforços, eu passei pelo que minha ansiedade pedia para pular. Já não sabendo mais onde terminava a metáfora da minha playlist e começava a minha vida, esperei pela próxima música, destinado veemente a ouvir toda ela. A, mesmo que fosse uma que eu não gostasse tanto, aceitá-la como ela é. Ouvir a música como eu vivo a vida. Foi aí que tocou a minha preferida. Um sorriso inesperado tocou os meus lábios e eu ri. Aceitei as coisas como são. Porque elas são sempre mais verdadeiras e melhores do que como deveriam ser.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Casa

Eu fiz chá. E com um livro cuja leitura está nas minhas costas há semanas, te espero no sofá de casa. Da nossa casa. Não consegui ler muitas páginas porque minha cabeça hoje insiste em divagar, então quando você abre a porta da sala fazendo aquele barulho familiar das suas chaves dançando no chaveiro, te vejo entrar. Seus cabelos molhados levam minha atenção à janela. Começo como uma pergunta e termino afirmando que está chovendo lá fora. Você não diz nada, apenas passa os dedos pelos seus cabelos e vem na minha direção. Fecho o livro e coloco ao lado da xícara meio cheia de chá de camomila. Ganho um beijo gentil nos seus lábios e depois você se recosta entre minhas pernas, buscando calor humano. Com uma risada abafada, te puxo para mais perto, mantenho o maior contato possível. Te abraço. Você tira uma embalagem do bolso e me entrega. A trufa é de chocolate meio amargo, não gosto muito do sabor mas sorrio e agradeço, pois o gesto é mais doce do que qualquer chocolate poderia ser. Você diz que já é quase natal e temos que comprar as coisas para a árvore, já que é o nosso primeiro ano juntos. Enquanto combinamos os enfeites que irão decorar nosso apartamento, acaricio seu queixo com a barba que está por nascer. Falamos e divagamos juntos por alguns momentos, os minutos passam e continuamos ali, no sofá de casa. Da nossa casa. Talvez isso seja de amor. Do nosso amor.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Identidade

Imagina se eu fosse que nem minha ID. Uma sequência de números. Quase único. Me pouparia de questões, de mudanças, de dúvidas. Seria fixo, permanente, assíduo. Mas cá estou eu, longe do padrão, a constante comparação, muitas vezes em contramão. Estaria eu definido nas minhas músicas? Nas coisas que assisto, na arte que absorvo? Ou será que minhas premissas partem de quem eu amo? Eu, tu, ele, nós, vós, eles. Ou do que eu como? Feijão embaixo do arroz. Do que eu rio? Trocadilhos sem graça. Do que eu sinto? Ah... quanta coisa. De vez em quando me identifico no vento, sempre indo, rodopiando e dançando, sendo levado pra onde é mais fácil, pra onde eu devo ir. Mas e agora que as folhas das árvores estão paradas? E agora que não há o que me levar, não há quem me guiar? Pra onde vou?

Quem
sou
eu?

Seria a resposta disso a mesma de quem eu gostaria de ser? Ou de quem eu deveria ser? Quantas perguntas, minha cabeça cansa. Vamos, então, pra fim de conversa, me considerar água.
Assim, eu tenho várias formas. Tenho várias cores, vários sabores ou até mesmo nenhum. Sou mutável, sou impermanente. Venho, fico e vou. Quem sou eu? Ora essa, sou água. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Querido

Lembro de quando eu batia de frente com seu rosto nos pensamentos
Estômago selvagem e ansiedade batem a porta
Ai ai, só pode ser o amor
Mas agora, só o vazio
Sinto saudades, muitas!
Mas me desculpe a quebra do tom romântico de poesia
As saudades não são suas, são do que eu sentia
Do que eu queria, do que eu pedia
Então tudo bem, vai lá
Vou ficar aqui esperando a saudade de amar passar
Ir embora com você
Porque nesse coração meu, só amo eu
E um dia, talvez, eu ame que nem espelho
Espelho com sentimento que vai e volta
Quem sabe outra hora
Sentir é um ciclo
Você não é único, sei disso
Então até outro sentimento, querido
Sinto muito, mas não te sinto

sábado, 8 de outubro de 2016

Memória

  Dei uma pausa nos estudos de literatura portuguesa - que faço por nada além da obrigação - porque lembrei. A memória veio arrastando outras mil, todas como vento que roça na pele e deixa atentos os pelos da nuca. Há uma música dessa banda que eu tenho tatuada no meu braço chamada 'Ghosts that we knew'. Sua importância para mim eclodiu quando, no show deles em março desse ano (2016), eu despenquei em lágrimas no seu refrão, que segue:

  "So give me hope in the darkness that I'll see the light. Cuz oh, they gave me such a fright. But I'll hold as long as you like, just promise me we'll be alright"

  Eu nunca mais fui o mesmo depois dessa viagem a São Paulo. Nunca mais fui o mesmo depois que conheci o sorriso da Brenda e da Lauren, que me acolheram nos seus corações de ouro e fizeram tudo ser mais especial e mágico. De alguma forma, o refrão dessa música sintetizou tudo o que eu estava experienciando, tudo o que me rodeava e principalmente tudo o que se passava aqui dentro, nessa alma tão serena e, mesmo assim, tão cheia de revoltas que eu chamo de eu.

  Então, alguns dias como esses, algumas horas como essas, coloco a música para tocar ( versão lollapalooza 2016, maravilhosamente salva pela internet. Te amo internet.) e me perco nas memórias. A viagem de carro com pessoas maravilhosas naquela noite tão linda de São Paulo. Nosso constante tour pelos principais lugares. O show onde vi uma das minhas bandas favoritas com seus fogos de artifício no encerramento. O cachorro quente com purê de batata e o açaí congelado com leite em pó. Tudo vem na minha cabeça e é sempre bom. É sempre lindo. É sempre especial e único.

  Por fim eu agradeço à deusa, às energias ou simplesmente à natureza. Nenhuma frase clichê de " Dias melhores virão" serão tão surpreendentemente úteis como essas memórias. Não as uso para viver no passado porque meu lugar é no presente e eu sei disso. Mas são elas que me mostram que não está tudo acabado. Que há algo pelo qual viver. Há momentos em que tudo vai parecer ter valido a pena. Há esperança. São por essas memórias que eu vivo. É delas que existo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Liberdade

Na viagem pra casa, senti liberdade
Acho que liberdade pode ser felicidade
Solto como pena, urgente como bala
Bala perdida mas que progride, que avança, que atinge

Me senti grande, implacável, claro
Fugido da bad vibe, preocupações em standby
Me limito ao vento gelado no rosto
Sorriso disposto, luz de novo

Faço de tudo uma metáfora
Pequenas histórias ensaiadas
Me sinto aberto para os dois lados, inspirar, expirar
Pronto para seguir, orgulhoso de partir

Mas as manhãs silenciosas ainda me assustam
Saudade irracional, ferida com sal
A cicatriz no braço esquerdo fica mais clara
O zumbido insistente me abala

Tomo banho, água fria no cabelo
Me limpo e me foco, volto logo
Agora é hora de sair de casa, sorriso na cara
Rosto no vento, amor no peito

Me perco, por fim, nas cicatrizes de corpo e alma que me enfeitam
Linhas tortas que me desenham
Me lembram como fui forte, como cheguei tão longe
Como encarei as verdades, como ganhei liberdade

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Casca

  Eu ia meditar agora, mas tenho a perfeita noção de que minha urgência para escrever essas palavras que tentam demonstrar algo que, por súbita clareza, descobri, iria atrapalhar tudo.
  Já passei dias de neutralização. Vi pessoas, mas nada além da casca, aquela feita de carne e osso. Já passei por dias de calmaria tão serenos que com a cabeça encostada na superfície tremida da janela do ônibus eu apenas pedia para sentir algo. Para ter por quem sentir.
  E agora sinto. Até demais, inclusive. Passo parte do tempo cogitando e a outra parte do tempo me regrando. Insisto para comigo mesmo que é passageiro, mas não importa quantas vezes eu o repita, não vai embora quando eu quero. Provavelmente só o tempo dirá. E ele não diz pra mim. Tempo, oh tempo, me liberta logo desse vício.
  De qualquer maneira, ganhei o que eu pedi. Sinto o que uma vez quis. E porque é tão difícil? A vida é a vida, nada acontece perfeitamente de acordo com o planejado. Prefiro me perder a olhar a situação como um todo. Ver isso como algo que eu possa perder. E sinto uma pequena dor ao imaginar esse amor passar. Ao imaginar voltar a olhar como antes. Olhar-te só a casca. Olhar como outros olham.
  Mas parece que minha vez não é essa. Mais uma vez o cupido erra. Amar e ser amado de volta? Oxi, quem me dera.

domingo, 2 de outubro de 2016

Sentidos

Vira essa careta pra lá
Meu signo é esse, meu coração é desses
Não me venha com esse papo frio, rígido, duro
Eu quero é sentir, sentir bem, sentir muito

Vira essa careta pra lá
Choro sim, ligo sim, me importo sim
Nessa cultura onde quem sente é quem erra
Meu amor supera, a sensibilidade impera

Vira essa careta pra lá
Longe de neutralizadores, sentir sem máscaras é meu hino
Dispenso seu teatro de emoções, o que eu sinto é real
Amar é artesanal

Então, por favor, vira essa careta pra lá
Que quem sente não peca e nem erra
Sentir é arte
E sentir demais faz parte

Voto

  Hoje é dia de voto. Árvores caídas enfeitam o chão nos papéis mais inúteis que meus rascunhos de poema. Os brasileirinhos enchem as ruas , fazem festa na calçada. Cerveja goela abaixo e fumaça de churrasco.
   Político, política, politicagem.
   Já vi voto inútil sem ser nulo. Já vi esperança no futuro. Mas de golpes internos e externos eu já cansei, então vou me encolher aqui na paz do meu cantinho porque sem eleição alguma me elegeram. E do meu Brasil quem cuida sou eu.

sábado, 1 de outubro de 2016

Remédio

  Vassoura na mão, pano úmido na ponta que solta um cheirinho gostoso. O chão sai de sujo pra brilhante, brilhante pra fosco. Fosco é limpo. E cheiroso. Nos fones de ouvido toca The Vaccines. Último volume, o que minha otorrino diria se soubesse disso? Canto alto porque sei as letras, os ritmos, as quebradas, as falas. É bom ouvir música e me sentir bem com isso de novo. Naqueles dias que passaram nem as músicas me confortavam. Pensava que a música era remédio, mas quando nem elas me saravam, desesperei. Mas agora ouço bem, canto bem, sinto bem. O que deve estar me sarando? Algo aqui dentro. Passo o pano. Cheiro de rosas. Limpeza. Passo e limpo. Passando. Sempre passando. Vindo e indo. Limpando. Renovando. Crescendo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Rio

Me desculpe porque sou ladrão
Roubei de você os jeitos de sentir, ver e viver
É assim que eu amo: Crescendo, coletando, ampliando
Não somos a água do rio
A água é, na verdade, todo o resto
Somos o corpo nu, parado no meio do fluxo aquático
A água fria batendo nas cinturas com respingos gelados no peito
Tudo passa, nos toca, nos molha, nos transforma e vai embora
Ainda meio submerso, teimoso eu, agarrei de ti os cascalhos entre meus dedos do pé
Mas não se preocupe, de você eu só tenho isso
Fragmentos. Pequenos presentes da correnteza
Assim como eu, você tem seu rio, sua corrente, seu corpo molhado
E embora sejamos únicos, independentes, divinos
Vivemos em um mundo de água onde tudo está conectado
Tudo tem um ar familiar, tudo é um só
Tudo vem, tudo passa, tudo vai
Então qualquer água dessas eu te vejo
Qualquer água dessas eu te beijo
Qualquer água dessas meu rio cruza com o seu, toca sua pele e vai embora
E quanto mais eu vejo como tudo é passageiro, mais eu amo o agora

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Cansaço

Tenho saudades de quando o cansaço era físico
Agora minha alma é ofegante
Meu coração, ansioso e minha mente, infelizmente acordada
O meu cansaço agora é outro
É de amar errado, pisar em falso, não ser amado
Um cansaço para muitos irracional
Mas é porque sua razão só é razão aqui dentro
Aqui dentro que dói, que chora, que cansa
E mesmo aqui, na cama do meu quarto escuro, eu não descanso
Apenas canso, canso, canso
Então, cansado eu sobrevivo à constante procura de paz
Afogando-me nos vícios de música boa e sentir demais

Respire

Respire
O que é o amor?
Mas por favor, mantenha longe de mim esse clichê barato e cansado.
Eu quero saber da verdade.

Respire
Como você ama? Quem você ama? Por que diabos você ama?
Superestimado e perigoso mas persistentemente almejado.
Cheio de formas mas tão cercado, tão regrado, tão ameaçado

Respire
Amar errado virou moda e amar direito já é história
Jogue o ar para dentro e depois para fora, é assim que a vida anda
Agora faça o mesmo com o amor, porque é assim que se ama