domingo, 25 de agosto de 2019

Ânsia pt2 / 889 dias / postagem 101

Há 2 anos, 5 meses e 6 dias de hoje eu fumava meu primeiro cigarro.
Não sei por onde começar e não quero fazer um resumo de tudo mesmo.
O cigarro que fumo hoje é como uma mão passando no meu cabelo, é a companhia em tempos escuros. É a mão que segura meu joelho e interrompe a tremedeira. É a mão que me aperta. Me estabiliza. Mão carinhosa e violenta. Em nenhum momento quis voltar no tempo e voltar no tempo já deixou de ser uma vontade minha pra ser uma repulsa. Já faz um tempo que eu sei como o que me passou me deu coisas e me tirou outras, e se não posso recuperar o que perdi, não quero perder o que ganhei também. A conta nunca foi simétrica e o equilíbrio das coisas nunca existiu. Mas eu soube das coisas e as coisas me disseram que não eram justas, mas se eram assim, por quê querer de outro jeito?
Não voltaria. Não perderia todas as tragadas, todos os olhares vesgos para as chamas, todos os lençóis furados e todas as tonturas na rua. Não perderia quem construí por trás do olhar cansado de desejo e frustração pois não perderia o zelo e carinho do reflexo que criei.
Mas o passado e o futuro estão em lados diferentes, unidos apenas por um elo frágil, sensível e intenso chamado eu, que decide o que fica do que passou e o que ficará do que passar.
E o que sobra? Eu sobro. Apesar da fome, da sede, da necessidade. Sobra só eu.
Não se trata mais de saber o que é melhor pra mim e escolher alternativas suaves. Dessas não há mais. Preciso confiar em mim. Assinar uma sina e prometer, à contragosto, que tudo vai ficar bem.
Não quero mais ouvir as músicas e chorar no desejo de cantá-las. Não quero mais respirar e sentir as dores. Não quero mais querer e me culpar por isso. Não quero mais beber o vinho tóxico, sangue de Cristo, e sentir prazer no veneno. Não quero mais continuar assim.
E pelo futuro farei os ajustes. Esse elo, pequeno e pontual que sou eu no presente, fará os ajustes. E o passado e futuro, tão diferentes, irão rebelar-se contra mim. Irão colidir para me esmagar, dizer que são maiores e que eu, apenas um pedaço de corpo e tempo perdido no espaço, não conseguirei suportar.
E talvez não consiga. Talvez doa, e provavelmente vai. Talvez sangre, pese, irrite, entristeça, enlouqueça, e provavelmente vai. Talvez seja muito para mim, e provavelmente vai ser. Mas a mudança está aqui, hoje. Nessa respiração pesada de pulmões debilitados e doentes. Inspirar, expirar. Dentro do teor infinito do presente eu me repouso, dando as últimas tragadas que vão simbolizar o fim de uma era e o início de outra, permeada pelo sacrifício e pela mudança. Em nome do que? De quem?
À mim. Um futuro. À música. À saúde. Ao amor. Ao carinho. Ao controle. Ao novo. À mim.
Em nome de tudo que fui, que é o mesmo que sou e ainda serei. Com minhas escolhas, mudanças, acréscimos e decréscimos que não seriam diferentes porque foram como foram. E eu, o elo frágil, continuarei, à parte de tudo e de todos.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Ânsia

Minha resposta vai ser em texto corrido, sem parágrafos e sem rodeios, sem rimas programadas ou intuito de beleza. Esse texto é carne crua jogada na terra, sangue escorrendo e moscas voando. Carne que já começa a apodrecer porque de alguma maneira é minha. Ou foi. Me arranquei fora com faca cega e joguei aqui, ordenado senão por pontos, vírgulas e algum senso de prioridade na ordem dos fatos. Estive enjoado esses dias e passo o tempo com essa ânsia dentro do corpo. Não sei se quero vomitar ou chorar. Mas transbordo. Transbordo como resultado de estar vazio, como uma tragada forte antes do almoço e sem café da manhã, a tontura e o peso dobrado. Passo os dias relacionando todas as coisas. Ligo o que posso ligar. Na mente sempre a mesma corrida. Sempre amei o ócio e só recentemente descobri que nem mesmo isso tenho o privilégio de ter. Mesmo parado as pernas balançam. Os dedos sempre batendo, a música nunca para. E agora que sei dos movimentos e sei das inquietudes? Quando me contemplo, me choco. Antes eu soubesse que se ver era tão dolorido, uma dor que não se compara à qualquer insatisfação do espelho. Pelo menos no espelho se tem a máscara corpo, e sem ele? A falta. Irmão morto. Amor imaginário. Pai de sangue. Amigo de riso. E como vestir o casaco pelas pernas, vem o excesso. Do cigarro, do café, da droga, da comida, da cobrança, do movimento. Sempre correndo, parar é difícil. Parar é quase impossível. Não me confio tal poder. Não me confio tal capacidade. E as coisas que às vezes parecem tão inevitavelmente certas justamente por serem como são... uma hora deixam de ser. E a corrida traz erro, raiva, tristeza, arrependimento e esse enjoo que não sei do quê. 

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Correu

Desde criança as porções era muitas
do biscoito só os farelos na boca
boca que não falou tanto desde sempre
mas quando aprendeu só calou para fumar

Desde criança as lágrimas eram muitas
Corrida de gotas na janela do ônibus e na face
o peito sempre cheio, coração sempre estourando
mão estranha que aperta, humilha e retorce o órgão

Desde criança os anseios eram muitos
do medo um relacionamento abusivo
do cativeiro um falso lar
do espelho uma mentira que ecoa

Desde criança as necessidades eram muitas
Fome, sede e sono fingiram ser mais importantes
Mas o amor faltou e a noite chegou
Fria, dura, longa, de castigo

E desde criança correu
E correu, e correu, e correu
Sempre pensou que tinha onde chegar
E se enganou