quarta-feira, 29 de março de 2017

fim

Matei meus homens
Cada um deles
Morte lenta, sofri devagar
Cada memória, cada frio na barriga
Sangraram até o último suspiro
Se despediram ao meu antigo pedido
Matei meus homens
Todos eles
Deixados, largados, esquecidos
Matei meus homens
Que nem nunca tinham sido meus
Apenas seus
Veja a confusão que se deu
Matei meus homens
Cada rosto, sem desgosto
Foram embora numa lembrança vaga
Porque eu sou assassino
E meu passado, morto, tá indo
Indo embora como um antigo amigo
Sozinho, antes querido, oprimido
Vazio, ruindo, não mais me ferindo
Matei meus homens
E esse é o fim

domingo, 19 de março de 2017

Cigarro

Tentei inutilmente não acordá-lo ao sair do sofá e tirar suas pernas do meu colo. Fui até a janela e agradeci pela brisa que tocava meu rosto, estava fresco lá fora. O homem da Sérvia já estava acordado quando eu sinalizei para seu maço de cigarros para pedir permissão antes de pegar um. Ao abrir, vi que havia um cigarro de cabeça pra baixo, sei que há certos motivos pra isso e não o peguei. Ele me avisou sobre isso quando já estava pra acender o cigarro na boca, acenei positivamente. Em tragadas rápidas e nervosas acabei com ele rápido. Nunca tinha fumado tanto em tão pouco tempo, minha pressão abaixa. Nas últimas tragadas eu sopro a fumaça e vejo nas formas cinzas que voam pela janela do quinto andar a minha vontade de sensibilizar e deixar tudo mais íntimo. Mas é só fumaça. É só ar cinza se dissipando no ar frio das ruas de Icaraí. Sempre mais simples do que parece.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Descontrole

E é assim que me perco, querendo controle. Buscando informações, avaliando tudo o que eu não preciso avaliar, percebendo o dispensável e me torturando com o descartável. Como posso esquecer de aceitar? De ver as coisas como são, de simplesmente entender? Não é como se o mundo fosse cooperar comigo só porque eu quero trabalhar bem com ele. O mundo não vai cooperar. As coisas não vão ser da minha maneira só porque estou, seja lá de qual ponto de vista, 'fazendo por onde'. O mundo é selvagem, as pessoas são selvagens. Sentimentos são esmagados sem nem mesmo um relance de maldade. Cidades acabam em ruínas, árvores caem, pessoas morrem, relacionamentos explodem. O tempo todo. E o que eu, coisa pequena, poderia fazer? Se há algum controle que posso ter, esse é o de deixar ser. O meu controle é descontrolar. O meu defeito está em querer acertar tanto. Vou sair agora, está na hora de errar, de deixar ir, de deixar ser como é. Acho que é isso a vida.

Controle

Estou liberto, por alguns minutos, mas liberto. Preciso correr para cá e escrever enquanto ainda estou sóbrio, enquanto ainda estou são. Preciso fazer um pedido, um apelo, um último grito de socorro. Me livre desse amor, me livre dessa dor. Esse amor que tantos falam e superestimam está aqui dentro, me despedaçando por dentro, querendo me dar facadas nos órgãos internos e mesmo assim impedindo que o sangue apareça na superfície, porque ele é esperto, o amor. Ele quer que a batalha toda seja interna, sem ajuda de ninguém, sem apelo emocional exterior. Ele quer que você se foda consigo mesmo em silêncio. Mas não de todo ruim, claro que não. O querido é bem vindo as vezes, mas as vezes, para pessoas com pouco controle como eu, ele gosta de tomar as rédeas. E isso NÃO PODE acontecer. É difícil me colocar em primeiro lugar quando tudo isso escurece minha vista e me deixa com esse pensamento de paixão por terceiros. A paixão de dentro se esvai, fica só aquela de fora. Aquela por aqueles que não merecem. Por aqueles que não precisam. Me despedaço, me corroo, me mutilo por dentro. Mas são todos machucados que cicatrizarão com o tempo. São apenas coisas que me deixam mais experiente. Sempre vindo, sempre machucando, sempre saindo. Santo seja o controle, e que eu o tenha por quanto tempo o amor ainda quiser me despedaçar.

domingo, 5 de março de 2017

Segredo

Meus pais, chaveiros,
Não foram de grande valia na hora de desvendar segredos
Meus mecanismos são mais complicados que fechaduras
Minhas chaves, perdidas, quem dera se eu pelo menos tivesse uma ou duas
Todas as horas me perguntando
É o suficiente?
Mas talvez o segredo seja não saber
Não ter respostas que talvez seriam grandes demais para mim
Respostas que esmagariam minhas perguntas e as tornariam descartáveis
Talvez o segredo seja, também, não querer saber
Saber e entender é público, ser é secreto
Ser é segredo