sábado, 20 de janeiro de 2018

ok

Eles acham que dá pra sentir bem e sentir mal, que devemos ser felizes e amar e se apaixonar e sentir paz e sentir calma. Sentir dor, sentir tristeza, sentir amargura, sentir raiva é MAU. Não pode! Só pode sentir bem, só pode abrir as portas para aquilo que é "bom", aquilo que é "construtivo".

Foda-se eles.

De tanto sentimento batendo desesperadamente na porta de nossas casas pedindo por abrigo acabamos de fachada destruída e habitantes inquietos com o barulho e gritaria daqueles que querem entrar. Os sentimentos negados NÃO VÃO embora. Eles vão ficar ali, madrugar deitados no tapete velho de boas vindas banhados de humilhação e vão pedir para entrar tempo o suficiente para que outros como eles apareçam e se juntem, crescendo em número e tamanho tudo aquilo que insistimos em deixar porta afora. E a pior verdade é que nem mesmo as maiores portas de aço, reforçadas nas dobradiças e com as fechaduras mais caras irão deixá-los no lado de fora. Eles vão entrar. Em alguma hora, invadirão a casa pelas janelas e te surpreenderão, machucados e pedintes, chorando por atenção, maiores do que deveriam ser, mais amedrontadores do que antes e tristes, preenchidos pela nossa própria repulsa.

Seria bom se deixássemos as portas sempre abertas. Se sentíssemos a tristeza daquela pessoa amiga que não é mais a mesma de antigamente. A raiva daquele calor que faz suar e traz mosquitos irritantes. A inveja daquela pessoa de folga enquanto se trabalha sábado de manhã. A solidão de quando se é abandonado. O cansaço de todas as vezes que se solidarizam por você simplesmente ser do jeito que é.

São os sentimentos sórdidos excluídos e afastados  tão nossos quanto todos os outros. Tão cheios de razões e motivos quanto todos os outros. Tão cheios de direito quanto todos os outros.
É tudo original e da mais alta qualidade. É tudo normal. É tudo ok. Sentir é ok.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Dia de praia

  Eu mergulhava por dois motivos.
  1-Para passar as mãos nos cabelos e joga-los para trás. Não estão grandes o suficiente para que ele fique, de fato, para trás. Principalmente fora d'água. Mas é bom sentir os fios indo no seu sentido contrário, como se quando eu emergisse meus cabelos estivessem molhados e esticados como aqueles atores estereotipados no padrão de beleza holywoodiano.
  2-Para ficar sozinho.

  Eu não estava na praia de Itacoatiara  às 15:00 da tarde me queimando em baixo daquele sol sozinho. Tinha ido com algumas pessoas. Pessoas que eu já conheço há anos. Eu mergulhava insistentemente para sentir o silêncio momentâneo limpar minha mente e deixar apenas os meus batimentos cardíacos pulsando nos ouvidos para me acalmar. É comum, isso. Me afastar deliberadamente daquilo que me quer longe. Porque aí então a culpa é minha, e eu prefiro estar separado por escolha própria.

  Mergulha, joga os cabelos para trás, emerge, pisca forte e sente o sal da água arder os lábios. Olha para eles e vê seus olhares felizes, seus sorrisos genuínos, suas trocas de amizade, piadas, conversas, olhares, toques. Eles parecem estar se divertindo. Eu mergulho e quando volto a superfície, desejo meus amigos, aqueles que me ouvem e que veem. Ainda com o sol nas costas deixando minha pele cada vez mais vermelha, não é tão difícil de lembrar de todas as vezes que me fizeram pensar que minha cabeça havia os colocado contra mim. Que minha cabeça tinha me excluído. Veja bem, para uma pessoa com o meu histórico, é fácil pensar que estou me sabotando por conta própria. Passei metade de uma vida com depressão, descobri como é o gosto do sangue quando nosso e extraído por nós mesmos. Sou treinado e formado em auto-destruição. Sou acostumado a ser uma bomba relógio.
  E aí eu cresço. Como um adulto mesmo, como alguém que passou por muito, evoluiu e mudou. Eu me curo, me preparo para algo novo, uma fase nova. E conheço eles. E penso que eles me tratam como um deles. E me engano. E me forço a pensar o contrário. Porque "Eduardo, você precisa se tratar, isso é tudo coisa da sua cabeça.". E embora eu tenha ouvido essa frase durante toda minha vida, agora insistem em dizer isso, como se tudo o que eu visse, tudo o que eu vivesse fosse partido de uma paranoia doente das minhas crises e manias depressivas. É como ser silenciado. Me ver sendo posto de lado e ser obrigado a culpar ninguém além de mim mesmo. Eu só queria poder mostrar cada comentário mal intencionado, cada olhar que quando não é desviado com desinteresse, é impregnado com aquele nojo sutil que só quem recebe pode ver. Queria poder mostrar todas as inúmeras vezes que eu falei algo e que nem sequer me deram atenção. Todas as vezes que repetiram algo que eu falei logo depois de mim e receberam aplausos e risadas em resposta. É muito explícito, é muito tóxico, é muito triste. E embora eu acabe no mesmo fundo do poço toda vez que me esbarro com eles por amor, aquele amor que eu tenho pela moça mineira, eu tento lembrar de quando estou com meus amigos de infância ou quando estou com meus amigos do trabalho. Quando estou com meus amigos de verdade. Sinto vontade de chorar ao lembrar deles rindo das minhas piadas, deles me ouvindo, deles se importando em me ter por perto. Tento lembrar de como é me sentir em casa.
  Mergulho, jogo os cabelos para trás,  fecho os olhos e ouço meu coração bater. Tento fazer um longo tempo até emergir e me ver refém novamente na casa de estranhos.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

especial

Seu olhar era pesado e sóbrio apesar dos três martínis já consumidos até aquela hora da noite. Ele olhava a tudo e a todos, era observador. Deu uma golada profunda na bebida e tirou o maço de cigarros da sua jaqueta de couro. Fez um sinal para o barman e ele deu de ombros. Acendeu o cigarro e tragou profundamente. Era o primeiro em dias, prometeu a si mesmo que iria fumar apenas em ocasiões especiais, e sabia que aquela noite naquele bar era especial. Não porque iria encontrar com alguém ou fazer algo de extraordinário, aquela saída não iria longe. Mas o dia foi especial porque ele disse que assim seria. Porque ele colocou sua jaqueta preferida e vestiu sua calça jeans relativamente nova e saiu para as ruas. Levou consigo o cigarro e o dinheiro para beber algo porque a situação financeira atual dava à ele essa privilegiada brecha. Então depois de um longo banho, cabelo lavado e penteado ainda molhado, ele saiu de casa em busca de algo especial. E então estava lá, fumando seu cigarro aos chuviscos de álcool. Sabia que vários olhares caiam sobre ele. Não pelo cigarro, pelo martíni ou até mesmo pela jaqueta de couro. Estava frio e a noite era acolhedora aos que estavam sozinhos e bem vestidos. Olhavam-no porque ele tinha algo. Talvez no seu olhar meio caído e penetrante ou até mesmo na sua barba por fazer. Sabia do seu poder e da sua influência em todos aqueles que poderiam se interessar pelo seu sexo. E entendia por alguns motivos o porquê de ser assim, tão chamativo, tão expansivo. Tragou novamente o cigarro já no fim e apagou-o no cinzeiro que o barman acabara de colocar ali. Respirou fundo e pediu outra bebida.