sexta-feira, 26 de abril de 2019

Jovens

Uma careta ao lado da garrafa de flexa, refrigerante mais barato para quando se não pode comprar coca-cola. Naquele aniversário eu tinha ganhado um playstation 2, um dos maiores presentes que já pude ganhar nessa vida. Na foto antiga há uma data em amarelo no canto inferior direito que não está correta. Aquela foto se passou no dia 12 de julho de algum ano que não lembro, meu aniversário de algum número que não lembro. Só lembro que era criança.
E esses dias eu estava a me perguntar quando tinha deixado esse menino da foto pra trás, questionando-me sobre o que me fazia alguém diferente, sobre quais circunstâncias me colocavam num grupo novo, sobre o que me fazia adulto. Meus 23 anos me dizem que eu cheguei em algum lugar mas que certamente não cheguei onde eu imaginava chegar. Como se em algum momento a corrida deixasse de ser linear e eu começasse não a apenas procurar atalhos mas mudar de percurso diversas vezes. Em algum ponto minha vida deixou de ser sair de um ponto para alcançar outro e se tornou uma questão de sobrevivência. E o que pode ser mais adulto do que deixar de viver para sobreviver?
Ver a foto me traz a urgência de voltar a sentir, voltar a viver e aprender a cuidar de mim. Pois fui uma criança cuidada que quando cresceu, não soube fazer o trabalho sozinho mas está aprendendo. Porque crescer muito provavelmente se resume a aprender isso. Na hora que fui cuidar de mim consegui, em algum momento, aprender a ser atencioso, a ter carinho e a entender. Mas esta criança que agora eu cuido tem gênio forte e eu não posso fazer muito além do que um aspirante a cuidador pode fazer. Porque eu não sei tudo e essa é a verdade. Padrões desgastantes, álcool, cigarros e drogas são como chupetas para bebês tardios. Enquanto pai de mim mesmo, confundo minhas necessidades e termino por me deteriorar, por me esquecer, por deixar de ser criança mas não necessariamente me tornar um adulto.
Os cabelos são os mesmos assim como os olhos castanho escuro. Menos cicatrizes, pelos e tatuagens, mas as mesmas sobrancelhas e o mesmo nariz e o mesmo sorriso com o mesmo vão entre os dentes da frente. Essa foto me mostra o quanto cresci, o quanto mudei e também o quanto permaneci o mesmo. Mas acima de tudo ela me mostra como eu grito pelo que pareço perder enquanto cresço. Ela me mostra que já não preciso ser puro, inocente, novo ou dependente, mas que ainda assim posso ter de volta o brilho nos olhos e posso sorrir como antes.
Tempos, circunstâncias e vidas diferentes mas o mesmo sorriso e o mesmo coração. Estes que precisam aprender a crescer e perder pelo caminho apenas aquilo que merece ser perdido. Mesmo sorriso e coração que já foram tão abatidos, impedidos e despedaçados, mas que continuam. E precisam de cuidado. E sofrem. E amam. E ganham. E perdem. E envelhecem. Mas que sempre serão como são, de hoje até o dia da minha morte. Jovens.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

poema

Entre as palavras e eu, o vazio.
E com o que posso contribuir?
Com as letras a honestidade sempre serviu bem
Sou um poema sem rimas
Sem estrofes e sem ritmo
Mas sou um poema
E sou cheio, sou a força da sensibilidade
Porque o sensível não é fraco
é apenas usado, e usado, e usado
O sensível é o alvo fácil
Meus dias passam e as vozes dizem
que esse poema do qual tanto falo
não sou eu
Se não sou poema, o que sou então?
Uma massa de desejo, força e intensidade
a voar por aí, se estreitando pelas fendas
procurando lar
perdida
Se não sou poema, onde coloco todos esses sentimentos?
Onde me liberto? Quem me lê?
Se não sou poema, onde ponho minhas palavras?
Às vezes fecho os olhos e durante um suspiro, penso,
Queria ter as formas, as rimas....
Queria tanto ser poema
Se não sou poema, não sou poema
Quem me escreve sou eu
Se não sou poema, talvez seja poeta
E talvez eu decida
E talvez eu faça
E talvez eu possa ser
Se não sou poema, talvez eu seja outra coisa
e algum dia talvez tenha certeza
Se não sou poema, talvez eu seja feliz
Talvez eu seja feliz