terça-feira, 22 de novembro de 2016

Decreto

Estou sentado num colchonete estendido no chão da minha varanda com meu cachorro no lado. Ele sempre vem quando me preparo para a meditação, o King. As vezes penso que ele gosta da minha companhia, mas é só provavelmente pelo colchonete mesmo.
Agora, escrevo sem precisar manter a coluna ereta, aliviado por ainda não estar meditando e tendo que enfrentar aquela dor chata nas costas. Estou aqui para fazer um decreto:

*Decreto, agora, no dia 22 de novembro de 2016, que tudo está mudado. Agora é tudo novo, tudo diferente!*

Ok, a despeito do fato de que "tudo mudado, tudo novo, tudo diferente" é, no mínimo, irracional, visto que TUDO está sempre mudando, sempre sendo novo e diferente. Então não poderia haver algum momento da nossa vida que tudo vá realmente mudar.  Estou repetindo as palavras, divagando nas pautas erradas do assunto. Mas este é um decreto, não vejo problema em me demorar. Até porque é bem capaz do número de pessoas a ler isso não ser superior a 0.

O vento bate forte no meu corpo. Não consigo deixar de perceber as folhas das árvores dançando, se esforçando para se soltar e ir com o vento.Voltando:

Vou tentar ser conciso: 2016 foi um ano incrível e horrível. Foi muito bom e muito ruim. Na real, nele tive os melhores momentos e os piores momentos de toda uma vida. Tenho 20 anos, isso é algo.
A pior parte foi quando minha depressão me levou para o fundo do poço ao mesmo tempo que eu descobri uma série de complicações - incuráveis- nos ouvidos.

Ok, eu continuo defendendo que não há grandes mudanças ou inovações nas nossas vidas já que, para mim, vivemos em constante metamorfose. Mas devo admitir que dessa vez, dessa única vez na minha vida inteira, eu tive um divisor de águas. Tudo antes desse último breakdown nunca mais voltaria a ser como era. Minha vida depois disso com certeza não foi a mesma.

Voltando: Eu tive isso tudo acontecendo. Ouvido, coração ferido, depressão no seu mais alto potencial. Ao mesmo tempo.
Nos últimos meses pra cá eu tenho meditado, tenho mudado minha postura quanto a tudo. E tenho melhorado. Passo os dias pensando nesses problemas no ouvido e tentando aceitá-los, mas já não tenho as crises de depressão que tinha antes. Sei que dessa vez, a despeito de qualquer enfermidade que meu corpo tenha e insista em continuar, eu sei que minha mente está fazendo o certo. De qualquer maneira, tudo mudou, pra valer.

Antes disso tudo eu estava constantemente pensando se a vida valia a pena mesmo. Se valia a pena chorar até dormir por me odiar por chorar até dormir. Era algo que eu demorava a responder, as vezes deixava até a pergunta pra lá.

Mas agora eu consigo ver as coisas com mais clareza. Quando estou com o ouvido entupido- uma constante nos meus dias - e com o zumbido insistente a me incomodar bastante, me pergunto se isso tudo está valendo a pena.

Sim.

O banho quente. Minha varanda dotada de vento, quietude e natureza. A natação naquele dia chuvoso. As crises de riso com aquelas pessoas que eu gosto tanto. Os momentos de perfeita sensação de plenitude. Os momentos em que me sinto completo, disposto, com um motivo para estar aqui. Posso sim ver que tudo vale a pena. E que ainda valerá muito mais um dia.

Então esse é o decreto.
Decreto que tudo mudou. Que as coisas ainda podem ser difíceis, mas há porque continuar aqui. Há porque não desistir. E desistir nem passa mais pela minha cabeça.

A vida é tão bela.  

sábado, 19 de novembro de 2016

Alho

Sabe as memórias? Guardo elas. Gosto de colecioná-las, visitá-las de tempos em tempos. Salvá-las da poeira e organizar tudo direitinho nas prateleiras da alma. E aí que eu lembrei de você hoje.
Mas não lembrei simplesmente de você. Do teu rosto já sou familiarizado. O passeio do seu sorriso já é comum aqui atrás dos meus olhos. O que resgatei foi uma lembrança guardada lá no fundo da prateleira, derrubada e empoeirada, como um livro esquecido. Não foi por querer, eu simplesmente deixei de visitá-la e a larguei para trás. Talvez fosse meu cérebro eliminando aquilo que não deve ser lembrado. Talvez seja meu cérebro querendo ter a racionalidade que me falta.
A questão é: A memória, por ser tão pouco lembrada e tão quase esquecida foi absurdamente impactante. Ela veio junto de um frio na barriga que me perdi por uns momentos nos seus detalhes.
Foi quando senti o gosto de alho na comida e lembrei da Abramović comendo alho naquele filme dela sobre sua jornada pelo Brasil. Lembrei que foi você quem me levou pra ver esse filme. Lembrei da frustração de quando toquei no seu braço enquanto assistíamos o filme e não recebi resposta. Quando chorei numa parte bonita do filme, ouvi você fungar e vi que você também chorava. Lembrei quando, naquela sala escura de cinema, deixei meus devaneios me levarem para longe com você. Quando saímos, você me deu carona na sua bicicleta e eu lembro bem como você cansou de ter feito todo o percurso de Icaraí até sua casa comigo na garupa. Os beijos desse dia, nossos toques, o sexo. Tudo dentro desse pacote de memórias.... E agora? O que faço com tudo isso?
Acho que limpo, guardo junto do resto. Me perco algum tempo olhando com orgulho e felicidade. Uma pequena conquista. Um prazer de poder guardá-la ali, junto de todas as outras memórias que coletei. Olho para o lado e vejo prateleiras vazias e prontas para receber mais informação, mais dias, mais experiências inesquecíveis.
Porque, meu bem, como a graciosa Elis canta, minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Bem

Sentado na esteira de meditação
ou no caminhar arrastado para casa
Os pensamentos vêm, vão, vêm, vão
Alguns ficam tempo demais
Oferecem perigo ou carinho
O libertador é saber que apesar de tudo
não sou o que penso
e o que penso não sou eu
Sou um corpo, uma alma, uma voz
Se entrelaçando com esse mundo que me foi dado
com as pessoas que me foram sentidas
e com a história que me foi escrita
Não sou medo, angústia, ansiedade, tristeza
Porém, também não sou alegria, amor, carinho e nem força
Sou nada e isso me permite ser tudo.
Mas a questão é: A vida é bela e estamos nessa para sermos felizes
Porque com tanta injustiça no mundo alguém tem que fazer o bem
Então decreto que sou o que me faz bem
Abro as portas para todos os sentimentos pois cada um deles merece ser sentido
Cada um deles merece ser compreendido e logo depois despedido
Não sou o que penso, sou o que quero
E eu quero ficar bem.

Céu

Hoje, enquanto nadava de costas ( desengonçado e com água entrando pelas narinas e boca), olhei para o céu. Estava com algumas nuvens cinzas, cercadas pelo azul opressor. Alguns pássaros voavam beeeem ao longe. Não sei quais pássaros eram. Aqueles que sempre tem no céu, sabe? Me perguntei se eles, os pássaros, estariam voando plenamente, sentindo o vento bater nas suas asas e suas penas fazendo força para se soltar do corpo, a diferença de pressão com a altura que eles estavam e tudo mais. Talvez estivessem. Digo isso porque não acho que eles foram criados numa cultura truculenta onde o passado e futuro têm mais força que o presente. Assim como os outros animais, eles foram poupados disso. Ah, pobre de nós humanos...
Então me atentei ao céu, logo depois dos pássaros voando em atenção plena. Acho que o céu é o pedacinho de vida que tanta gente insiste em se agarrar. Quero dizer, pra mim, uma das opções mais viáveis do que há depois da morte é o nada. Pensamento um tanto perturbador, este. Vou me apressar: A vida é tão bela e o céu é tão belo que as pessoas se agarram a eles. Procuram uma vida após a morte com céu acima das nuvens ou inferno abaixo da terra. Amamos muito o lugar em que vivemos mesmo inconscientemente. Nos apegamos às coisas sem notar. O paraíso e o inferno estão aqui. Agora. E eles precisam ser valorizados.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Amores

Coleciono lápis e amor
Quero um lápis de cada país e um amor de cada coração
Lápis naquele estojo especial e amor nas lembranças
Lembranças dos abraços, dos carinhos, dos toques
Nesses amores em formas de lembranças eu vou guardando
Um pedacinho de cada um deles, uma pequena parte dos seus respectivos "ser"
Porque é isso que sou. Uma constante coleta, constante mudança
Sou um constante crescimento.
E ser nesses dias é difícil. Ser é complicado e muitas vezes mal amado
Ser é perigoso.
Então deixarei bem guardados todos os meus lápis e meus amores
Minhas coleções de tanto apreço, tanto apego...
Mas não pego, não prendo, não aprisiono
Deixo ir. Deixo ser. Assim como eu, eles também tem o direito
Amar é deixar ir e vir. É aceitar as coisas como são. E são como água de rio.
Que vem, passa e vai.
E é amando que eu aceito. É multiplicando amor, doando, recebendo e trocando.
Amar é aceitar. Aceitar é amar.
No final das contas, acho que é assim. meu crescimento.
Amando, aceitando, indo, vindo, correndo, andando, ficando parado.
Impermanente e Permanentemente mutável. 

domingo, 6 de novembro de 2016

Like

Nos perdemos na aflição do amor
Amor dado, vendido, trocado
Follow por follow, like por like
Gosto do verbo aimer em francês,
ambiguidade, amar ou gostar
Telas de vidro nos limitam a críticos
Te digo se gosto ou não
Se te dou ou não valor
Digo se você vale ou não
E se dizemos que o valor dos outros está nos likes
Onde estão nossos valores?
Em erradas valências, vale tudo
Hipocrisia desenfreada, show de aparências
Fiz que nem eles, postei na rede
Me mostrei hidratado mas me dei com sede
Trinta curtidas, trinta polegares levantados pra mim
E agora? Já deu a hora, vou-me embora
Menos likes e mais agora