domingo, 29 de setembro de 2019

notas / textos avulsos / ideias (Setembro 2019)

1
eles tinham o privilégio de fazer poesia em casa
mas agora as telas pretas estão com a gente em tudo
e os dedos querem repousar mas a mente diz
escreve, escreve, escreve!
e temos os recursos,escrevemos
as palavras que são tão íntimas (não pessoais)
pairam nos bancos de ônibus, vagam pelas ruas
visitam as praças e compartilham as mesas
a expressão ja se limitou ao ar úmido da minha casa
às paredes com infiltração e à luz artificial
agora correm de mim
por entre as pessoas que não conheço
pessoas que não trocaria de lugar, mas imagino
quem são, por que são, se sabem que são
e não trocaria por não ter essas certezas
que não sei se são verdade, mas pra mim são

2
Impermanência é minha palavra preferida entre todas as que conheço. Ela me dá a aceitação e a conformidade que preciso pra sustentar esses dias que as vezes são muito mais ou muito menos do que devriam ser. Mesmo para uma pessoa como eu, aversa à rotina, é difícil sair da zona de conforto. Do lugar que tomamos como casa e do abrigo daqueles que tomamos como família. Mas a vida é isso, a impermanência de lugar, pessoa e ser. De qualquer maneira, saiba que isso não é um adeus. Apesar de impermanentes, somos também apaixonados, por tudo e todos que nos fizeram tão bem. Então continuaremos o carinho e nos veremos em alguns bares por aí, te amo.

3
Pulmões são um problem
Os meus parecem pequenos, dormemno meu peito como uma sensação cinza escura e pequena. O ar não fica muito tempo, sai fácil e rápido. Na verdade é tão difícil entrar quanto sair. Respirar já foi mais fácil.. então vou me distanciar e fazer as sensações parecerem mais diferentes, mais toleráveis e mais gostosas. Vamos fumar e me entupir, vamos ficar com os olhos vermelhos e pensar em ideias de livros. Vamos tossir e sentir o corpo inteiro ter calafrios com as ânsias de vômito. Vamos morrer, e morrer e morrer e morrer. Vamos continuar usando as coisas e continuar sendo fracos arbitrariamente para poder ter prazer. Para poder sonhar e poder esperar um futuro melhor. Com desejos sólidos, convictos, bem construídos. Vamos ter esperança, mesmo distante. Vamos plantar agora. Porque a colheita não é hoje. Hoje plantamos, semeamos e nos atentamos às nuvens. Talvez amanhã seja dia de ver crescer.

4
psicologa
poder
nao de ser superior, mas de se reconhecer
reconhecimento
se conhecer é ter poder
entender,olhar,observar,aceitar
consciência
entender com amor e empatia e calma
estar distante ou estar perto, mas sabendo
não foi fácil ser feliz pra você
não é pra mim
você morreu quando eu era pequeno
te conhecia antes de me conhecer
e não sei do que sabia quando não sabia quem eu era
então nunca realmente te entendi
e agora eu penso em carros
penso em morte, em sangue
agora eu vivo, continuo
deixo os pulmões cinzas e depois jogo água em cima
eu não entendo tanto as coisas como entendia
  
5
Amar é entender menos
Dona que adopta um cachorro pela morte de outro. Ele eh racional, nao fala mas é muito inteligente. Sua razão e raciocínio dificultam o caminho do amor. Não há k amor incondicional de cachorro. As ações da dona despertam então nele rancor, raiva, angústia. Amar é entender menos

6
nossas deusas
duas deusas tomam controle de um casal de humanos e levam suas vidas como um jogo. fazer uma narração paralela e organicamente mesclada. no fim, os dois se separam pelas decisões de coração gelado de uma das deusas e a vida de um dos personagens fica em posse dos dados, que não chega a mostrar seu valor, deixando a questão aberta para levar a atenção ao acaso, sorte e azar quando se trata de amor

7
o viciado em sexo e a prostituta
Um ninfomaníaco acostumado a pagar por sexo que se apaixona por uma garota de programa.
Entregar plot no meio. Apresentar personagem até lá.
Tem amigos que não o conhecem. Não é reservado, apenas esconde-se. Já foi casado. Plot Twist a prostituta parece com sua mulher. O divórcio o deixou viciado em sexo.

8
Massagem no peito
Casal /não especificar gênero/ dormindo na sua cama em noite de chuva. " Sempre me sinto demasiada melancolia quando cai a chuva" recebe massagem no peito porque tranquiliza e massageia o coração, apaziguando os senimentos

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Gosto

Eu gosto do tempo quente
revoada de cupim nas lâmpadas
apaguem as luzes!
vai ser sol amanhã também

Gosto do banho sem água quente
vento fresco na pele de sol
água fria, matar a sede
Até mesmo o suor, resíduo

Dos amigos, que fazem carinho
risada, apoio, amor, sorriso
Conversas, compartilhamentos
Crescimento em conjunto, admiração

Mas eu não viro a cara pro inverno
Não nego o frio
Visto casaco, olho a chuva bater na janela
Gosto, mas ele passou

E não viro a cara nem para os meus antigos
Tudo que me fez e tudo que me levou
Meu passado é reflexo do que tenho
e que fique no passado o que é dele, o que tenho é meu

Tenho o que gosto e por que gosto
E gosto
Não tem problema, pode ser quente por esses dias
Estou satisfeito 

domingo, 25 de agosto de 2019

Ânsia pt2 / 889 dias / postagem 101

Há 2 anos, 5 meses e 6 dias de hoje eu fumava meu primeiro cigarro.
Não sei por onde começar e não quero fazer um resumo de tudo mesmo.
O cigarro que fumo hoje é como uma mão passando no meu cabelo, é a companhia em tempos escuros. É a mão que segura meu joelho e interrompe a tremedeira. É a mão que me aperta. Me estabiliza. Mão carinhosa e violenta. Em nenhum momento quis voltar no tempo e voltar no tempo já deixou de ser uma vontade minha pra ser uma repulsa. Já faz um tempo que eu sei como o que me passou me deu coisas e me tirou outras, e se não posso recuperar o que perdi, não quero perder o que ganhei também. A conta nunca foi simétrica e o equilíbrio das coisas nunca existiu. Mas eu soube das coisas e as coisas me disseram que não eram justas, mas se eram assim, por quê querer de outro jeito?
Não voltaria. Não perderia todas as tragadas, todos os olhares vesgos para as chamas, todos os lençóis furados e todas as tonturas na rua. Não perderia quem construí por trás do olhar cansado de desejo e frustração pois não perderia o zelo e carinho do reflexo que criei.
Mas o passado e o futuro estão em lados diferentes, unidos apenas por um elo frágil, sensível e intenso chamado eu, que decide o que fica do que passou e o que ficará do que passar.
E o que sobra? Eu sobro. Apesar da fome, da sede, da necessidade. Sobra só eu.
Não se trata mais de saber o que é melhor pra mim e escolher alternativas suaves. Dessas não há mais. Preciso confiar em mim. Assinar uma sina e prometer, à contragosto, que tudo vai ficar bem.
Não quero mais ouvir as músicas e chorar no desejo de cantá-las. Não quero mais respirar e sentir as dores. Não quero mais querer e me culpar por isso. Não quero mais beber o vinho tóxico, sangue de Cristo, e sentir prazer no veneno. Não quero mais continuar assim.
E pelo futuro farei os ajustes. Esse elo, pequeno e pontual que sou eu no presente, fará os ajustes. E o passado e futuro, tão diferentes, irão rebelar-se contra mim. Irão colidir para me esmagar, dizer que são maiores e que eu, apenas um pedaço de corpo e tempo perdido no espaço, não conseguirei suportar.
E talvez não consiga. Talvez doa, e provavelmente vai. Talvez sangre, pese, irrite, entristeça, enlouqueça, e provavelmente vai. Talvez seja muito para mim, e provavelmente vai ser. Mas a mudança está aqui, hoje. Nessa respiração pesada de pulmões debilitados e doentes. Inspirar, expirar. Dentro do teor infinito do presente eu me repouso, dando as últimas tragadas que vão simbolizar o fim de uma era e o início de outra, permeada pelo sacrifício e pela mudança. Em nome do que? De quem?
À mim. Um futuro. À música. À saúde. Ao amor. Ao carinho. Ao controle. Ao novo. À mim.
Em nome de tudo que fui, que é o mesmo que sou e ainda serei. Com minhas escolhas, mudanças, acréscimos e decréscimos que não seriam diferentes porque foram como foram. E eu, o elo frágil, continuarei, à parte de tudo e de todos.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Ânsia

Minha resposta vai ser em texto corrido, sem parágrafos e sem rodeios, sem rimas programadas ou intuito de beleza. Esse texto é carne crua jogada na terra, sangue escorrendo e moscas voando. Carne que já começa a apodrecer porque de alguma maneira é minha. Ou foi. Me arranquei fora com faca cega e joguei aqui, ordenado senão por pontos, vírgulas e algum senso de prioridade na ordem dos fatos. Estive enjoado esses dias e passo o tempo com essa ânsia dentro do corpo. Não sei se quero vomitar ou chorar. Mas transbordo. Transbordo como resultado de estar vazio, como uma tragada forte antes do almoço e sem café da manhã, a tontura e o peso dobrado. Passo os dias relacionando todas as coisas. Ligo o que posso ligar. Na mente sempre a mesma corrida. Sempre amei o ócio e só recentemente descobri que nem mesmo isso tenho o privilégio de ter. Mesmo parado as pernas balançam. Os dedos sempre batendo, a música nunca para. E agora que sei dos movimentos e sei das inquietudes? Quando me contemplo, me choco. Antes eu soubesse que se ver era tão dolorido, uma dor que não se compara à qualquer insatisfação do espelho. Pelo menos no espelho se tem a máscara corpo, e sem ele? A falta. Irmão morto. Amor imaginário. Pai de sangue. Amigo de riso. E como vestir o casaco pelas pernas, vem o excesso. Do cigarro, do café, da droga, da comida, da cobrança, do movimento. Sempre correndo, parar é difícil. Parar é quase impossível. Não me confio tal poder. Não me confio tal capacidade. E as coisas que às vezes parecem tão inevitavelmente certas justamente por serem como são... uma hora deixam de ser. E a corrida traz erro, raiva, tristeza, arrependimento e esse enjoo que não sei do quê. 

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Correu

Desde criança as porções era muitas
do biscoito só os farelos na boca
boca que não falou tanto desde sempre
mas quando aprendeu só calou para fumar

Desde criança as lágrimas eram muitas
Corrida de gotas na janela do ônibus e na face
o peito sempre cheio, coração sempre estourando
mão estranha que aperta, humilha e retorce o órgão

Desde criança os anseios eram muitos
do medo um relacionamento abusivo
do cativeiro um falso lar
do espelho uma mentira que ecoa

Desde criança as necessidades eram muitas
Fome, sede e sono fingiram ser mais importantes
Mas o amor faltou e a noite chegou
Fria, dura, longa, de castigo

E desde criança correu
E correu, e correu, e correu
Sempre pensou que tinha onde chegar
E se enganou

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Coração

Jaz aqui um coração querido
nem morto e nem ido
Repousa em paz, distante e taciturno
Cansado e preguiçoso

Jaz aqui um coração querido
Já não vê, já não ouve, já não toca
Já não sente
De olhos fechados, pede por eutanásia

Jaz aqui um coração querido
que se enche e se entorpece
de cafezinho, bebidas em etanol
tabaco e cinzas

Jaz aqui um coração querido
tão querido que fugiu
pra onde é mais fácil
para longe do asco 

Jaz aqui um coração querido
medroso de abrir os olhos e ver
a verdade que dói, o passado que corrói,
o futuro que não chega pra ninguém

Jaz aqui um coração querido
que já foi destemido
que uma vez me deu o sorriso
permissão aos sentidos 

Jaz aqui um coração querido
contra todos os ímpetos que me impediram
de enfiar a mão no peito e arrancar fora
Pegar, apertar, sangrar

Jaz aqui um coração querido
que é querido porque é meu
bombeia o sangue
diz que estou vivo

Jaz aqui um coração
Meu coração, quase um filho
de mais ninguém
O meu querido

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Olhos secos

Aqui onde vejo não há lágrimas
Há visão, há contemplação, há a umidade de olhos comuns
Mas não há lágrimas

As procuro mas fugiram de mim para eu mesmo
Talvez sejam o motivo desse aperto no peito, embrulho no estômago
Minhas lágrimas entraram, correm pelo meu sangue
Me choram por dentro

Meu corpo não sabe, eu não sei
Não se sabe o que deve fazer
Não se sabe como ir e vir
Não se sabe como chorar as lágrimas de dentro

Paro no silêncio e tento me ouvir
O grito é abafado
Meu corpo deita sobre minhas dores
Meu escudo de carne e osso perece

Já não sei mais onde começo e onde termino
O coração já foi menos que um órgão, já foi produto separado
E agora meu corpo dói.
Ouvir é diferente de saber

Que alguém me ajude a saber lidar com os ruídos de uma gritaria estrangeira.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Jovens

Uma careta ao lado da garrafa de flexa, refrigerante mais barato para quando se não pode comprar coca-cola. Naquele aniversário eu tinha ganhado um playstation 2, um dos maiores presentes que já pude ganhar nessa vida. Na foto antiga há uma data em amarelo no canto inferior direito que não está correta. Aquela foto se passou no dia 12 de julho de algum ano que não lembro, meu aniversário de algum número que não lembro. Só lembro que era criança.
E esses dias eu estava a me perguntar quando tinha deixado esse menino da foto pra trás, questionando-me sobre o que me fazia alguém diferente, sobre quais circunstâncias me colocavam num grupo novo, sobre o que me fazia adulto. Meus 23 anos me dizem que eu cheguei em algum lugar mas que certamente não cheguei onde eu imaginava chegar. Como se em algum momento a corrida deixasse de ser linear e eu começasse não a apenas procurar atalhos mas mudar de percurso diversas vezes. Em algum ponto minha vida deixou de ser sair de um ponto para alcançar outro e se tornou uma questão de sobrevivência. E o que pode ser mais adulto do que deixar de viver para sobreviver?
Ver a foto me traz a urgência de voltar a sentir, voltar a viver e aprender a cuidar de mim. Pois fui uma criança cuidada que quando cresceu, não soube fazer o trabalho sozinho mas está aprendendo. Porque crescer muito provavelmente se resume a aprender isso. Na hora que fui cuidar de mim consegui, em algum momento, aprender a ser atencioso, a ter carinho e a entender. Mas esta criança que agora eu cuido tem gênio forte e eu não posso fazer muito além do que um aspirante a cuidador pode fazer. Porque eu não sei tudo e essa é a verdade. Padrões desgastantes, álcool, cigarros e drogas são como chupetas para bebês tardios. Enquanto pai de mim mesmo, confundo minhas necessidades e termino por me deteriorar, por me esquecer, por deixar de ser criança mas não necessariamente me tornar um adulto.
Os cabelos são os mesmos assim como os olhos castanho escuro. Menos cicatrizes, pelos e tatuagens, mas as mesmas sobrancelhas e o mesmo nariz e o mesmo sorriso com o mesmo vão entre os dentes da frente. Essa foto me mostra o quanto cresci, o quanto mudei e também o quanto permaneci o mesmo. Mas acima de tudo ela me mostra como eu grito pelo que pareço perder enquanto cresço. Ela me mostra que já não preciso ser puro, inocente, novo ou dependente, mas que ainda assim posso ter de volta o brilho nos olhos e posso sorrir como antes.
Tempos, circunstâncias e vidas diferentes mas o mesmo sorriso e o mesmo coração. Estes que precisam aprender a crescer e perder pelo caminho apenas aquilo que merece ser perdido. Mesmo sorriso e coração que já foram tão abatidos, impedidos e despedaçados, mas que continuam. E precisam de cuidado. E sofrem. E amam. E ganham. E perdem. E envelhecem. Mas que sempre serão como são, de hoje até o dia da minha morte. Jovens.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

poema

Entre as palavras e eu, o vazio.
E com o que posso contribuir?
Com as letras a honestidade sempre serviu bem
Sou um poema sem rimas
Sem estrofes e sem ritmo
Mas sou um poema
E sou cheio, sou a força da sensibilidade
Porque o sensível não é fraco
é apenas usado, e usado, e usado
O sensível é o alvo fácil
Meus dias passam e as vozes dizem
que esse poema do qual tanto falo
não sou eu
Se não sou poema, o que sou então?
Uma massa de desejo, força e intensidade
a voar por aí, se estreitando pelas fendas
procurando lar
perdida
Se não sou poema, onde coloco todos esses sentimentos?
Onde me liberto? Quem me lê?
Se não sou poema, onde ponho minhas palavras?
Às vezes fecho os olhos e durante um suspiro, penso,
Queria ter as formas, as rimas....
Queria tanto ser poema
Se não sou poema, não sou poema
Quem me escreve sou eu
Se não sou poema, talvez seja poeta
E talvez eu decida
E talvez eu faça
E talvez eu possa ser
Se não sou poema, talvez eu seja outra coisa
e algum dia talvez tenha certeza
Se não sou poema, talvez eu seja feliz
Talvez eu seja feliz

domingo, 17 de março de 2019

força

Sou puxado pelo pulso e seja lá o que for, é forte. Tamanha força me diz que me possui. Às vezes faço esforço para me livrar e às vezes tento ao menos me manter de pé. O que me agarra? Me segura com paixão severa e me machuca. Sei que é algo que diz quem sou. Fazer ou não fazer, ir ou não ir, ser ou não ser. O que me segura é o que me dá coordenadas. Se sou livre, não o sei ainda. E não há como alçar voo quando se pensa que não pode voar. O que me segura diz que aquelas duas tragadas no cigarro são grandes o suficiente para me colocar sua na mão e me fechar lá dentro pra sempre, sem ar, no escuro, suando e sozinho. O que me segura diz que todos os sete dias são poucos e por isso não haverão muitos outros. O que me segura me diz como as coisas vão ser e eu não espero grandeza. Meu pulso dói e eu quero me soltar. Como? Imagino que expondo, projetando, me tornando real em palavras. Quero voar mas tenho medo de admitir que posso. Tenho medo de não poder. E quem além de mim poderia dizer?

segunda-feira, 4 de março de 2019

Primeira vez

E todas as vezes que chegava em casa e respondia "está tudo bem, sim" para sua mãe sabia, com dor, que era melhor poupá-la do sofrimento que colhia nas ruas, da rejeição e da apatia gratuita. Não havia porquê levar seu sofrimento pra casa, aquele era seu e mesmo que o distribuísse em pequenas doses de vez em quando, haviam aqueles que não mereciam.
Não estava acostumado, era a primeira vez que saíra de um conforto abafado e humano para o mundo, a primeira vez que nascia e vivia, e como todas as primeiras vezes se encontrava bastante (perdido). E não importa quantas sejam as repetições, como já dizia Renato Russo, a primeira vez sempre a ultima chance. Estava aqui, após não sei quantos anos, vivendo sua primeira vida e esperando o quê ia ser dele até o dia da sua primeira morte.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Ainda

  Mesmo sentado na janela, uma perna pendendo para a rua, quatro andares abaixo, sentia aquele pequeno incômodo. Aquela ponta selvagem de um adesivo mal colado. Estava sozinho, inerte em luzes fracas. Mas respirava, tragava o cigarro e soprava, e isso o fazia vivo, e estar vivo sempre foi um peso. Nunca considerou tal peso como um fardo, mas simplesmente um peso, algo que se deve levar não importa como, até não se poder levar mais. E também não se sentia pesado, não hoje, mas estar vivo o fazia constantemente acanhado. Se sentia observado mesmo sozinho em quatro paredes, como se precisasse provar. As vezes se perguntava se quem o observava sem nenhum pudor era ele mesmo, e seu olhar podia julgar tão bem quanto os outros. Ele se temia porque sabia que nem sempre julgava bem mas também nem sempre julgava mal. Temia porque sabia que poderia se achar de um jeito e poderia estar certo. O pensamento de se saber sempre foi tenebroso.
  Soprava a fumaça cinza e densa para fora da janela e via o vento dissipá-la, pensativo. Não gostava de fumar mas ao mesmo tempo gostava, não estava acostumado a esse sentimento controverso e preferia só se livrar do cigarro de uma vez por todas, mas era tão difícil... Então fazia o que sempre fez, planejava. Porque como alguém que faz, ele era um ótimo planejador. E planejar sempre o tirava da inércia e do ponto de partida e o colocava em algum lugar no meio termo. Dizia a si mesmo com as anotações e os objetivos em gráficos que estava fazendo algo, porque sentar e escrever só não era difícil quando se colocado ao lado de realmente fazer algo.
  Girou a cabeça lentamente até ouvir seu pescoço estalar. Pousou o cigarro no cinzeiro com dúvida quanto a próxima tragada. Não queria e sabia, mas sempre quis terminar as coisas logo. O fim era algo grandioso demais para simplesmente esperar por ele, era preciso andar ao seu encontro, como quando se marca de encontrar com alguém e se anda em direção à pessoa quando aparece, mesmo quando se está no ponto de encontro. Não sabia porque achava tão difícil esperar, sabia de mil motivos que a sociedade poderia ter o influenciado nisso, mas também sabia que sabia pouco das suas coisas. Era complexo e sabia.
  Ao colocar a perna de volta pra casa pelo vão aberto da janela, sentiu o calor beijar sua pele com seus pelos arrepiados. O movimentou teve uma rápida pausa mecânica no meio do caminho, tinha acabado de ter um déjà vu. Ali, na janela de seu quarto, com o vento janela adentro e fumaça boca afora, sua samba canção com listras brancas,vermelhas e azuis, seu espelho posicionado cuidadosamente ao lado da cômoda e seus chinelos dormindo ao chão, cada um apontando para o um diferente. Teve o súbito desejo de mudar seus déjà vus. Fazer com que soubesse que já passara por ali antes de passar por ali. De fato, ver o futuro. Tal desejo logo apertou seu coração com tamanha força que fez seu rosto retorcer. Saber do futuro? Não. Nunca poderia arcar com o futuro. O passado já era uma bagagem extra pesada demais e o presente nunca parecia realmente estar ali, sempre ficando velho e perdendo o nome. Não sabia onde se prender exatamente. As vezes o presente lhe abraçava mas as vezes fugia. O futuro não é pra mim, ainda.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Menor/Maior

Eu me perco sempre.
Esse texto por si só é um caminho errado, um lugar inédito onde minha experiência não tem lugar. Vou aqui jogar palavras do que sinto, e embora Fernando Pessoa tenha me dito que o poeta é um fingidor que chega a fingir a dor que deveras sente, vou me jogar nele. Esse texto é um pedaço de mim, tão verdadeiro quanto um órgão ainda pulsante e vermelho, encharcado de sangue.
Aqui vou ser sincero, independente do que minha sinceridade de mim mesmo possa trazer em retorno, independente do que interpretem, ou sintam, ou pensem. Essas palavras são minhas e somente minhas. Essas verdades me possuem como um espírito enjaulado que anseia desesperadamente por liberdade. É hora de libertação.
Esse ano vou fazer 23. Vinte e três anos sendo. Vinte e três anos mudando de lugar, mente e corpo. Sempre vivendo e constantemente tentando me provar o contrário. Todos esses anos para chegar aqui e finalmente saber, entender e aceitar. Reconhecer. Fui deixado como fui amado. Fui evitado como fui chamado. Por vinte e três anos eu errei, aprendi e tentei de novo. Conquistei, cresci e o mais importante, mudei. Não porque desgostava das versões anteriores de mim, mas porque, em algum momento, aceitei que era hora de partir. É sempre hora de partir, dizer adeus. Sei que nasci inteiro e pouco a pouco fui me dividindo. Fui me repartindo. Sempre uma parte menor que a anterior mas incrivelmente mais densa. Não tenho cicatrizes porque deixei essas partes irem. As vezes membros fantasmas me assombram. Mas são o que são, fantasmas. E o passado é o que é, cruel e apegado, portador das partes que deixei pra trás. Sei que muito de mim ainda irá quebrar. Ainda tenho muitas despedidas pela frente. Darei ao tempo o que é do tempo. Irei manter pra mim o que é meu.
Vou longe, cada vez menor, cada vez maior. Irei amar até onde for pra amar. Irei sofrer até onde for pra sofrer. Irei até onde for pra ir e em algum momento, onde meu caminho acabar e meu destino se finalizar como uma rua sem saída, serei o fim. E o fim é o fim, como eu sou eu, como o sol é o sol e como a água é a água. E então uma jornada terá acabado, minha jornada, perfeita e incrível por ser minha e somente minha, como as palavras que escrevo e os sentimentos que sinto.
Com todas as minhas dores e meus prazeres, sou um quebra cabeça sempre no meio do caminho, cada vez com mais peças encaixadas e com o dobro faltando. Esse é o nome do jogo e vou jogá-lo enquanto puder.