quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Ainda

  Mesmo sentado na janela, uma perna pendendo para a rua, quatro andares abaixo, sentia aquele pequeno incômodo. Aquela ponta selvagem de um adesivo mal colado. Estava sozinho, inerte em luzes fracas. Mas respirava, tragava o cigarro e soprava, e isso o fazia vivo, e estar vivo sempre foi um peso. Nunca considerou tal peso como um fardo, mas simplesmente um peso, algo que se deve levar não importa como, até não se poder levar mais. E também não se sentia pesado, não hoje, mas estar vivo o fazia constantemente acanhado. Se sentia observado mesmo sozinho em quatro paredes, como se precisasse provar. As vezes se perguntava se quem o observava sem nenhum pudor era ele mesmo, e seu olhar podia julgar tão bem quanto os outros. Ele se temia porque sabia que nem sempre julgava bem mas também nem sempre julgava mal. Temia porque sabia que poderia se achar de um jeito e poderia estar certo. O pensamento de se saber sempre foi tenebroso.
  Soprava a fumaça cinza e densa para fora da janela e via o vento dissipá-la, pensativo. Não gostava de fumar mas ao mesmo tempo gostava, não estava acostumado a esse sentimento controverso e preferia só se livrar do cigarro de uma vez por todas, mas era tão difícil... Então fazia o que sempre fez, planejava. Porque como alguém que faz, ele era um ótimo planejador. E planejar sempre o tirava da inércia e do ponto de partida e o colocava em algum lugar no meio termo. Dizia a si mesmo com as anotações e os objetivos em gráficos que estava fazendo algo, porque sentar e escrever só não era difícil quando se colocado ao lado de realmente fazer algo.
  Girou a cabeça lentamente até ouvir seu pescoço estalar. Pousou o cigarro no cinzeiro com dúvida quanto a próxima tragada. Não queria e sabia, mas sempre quis terminar as coisas logo. O fim era algo grandioso demais para simplesmente esperar por ele, era preciso andar ao seu encontro, como quando se marca de encontrar com alguém e se anda em direção à pessoa quando aparece, mesmo quando se está no ponto de encontro. Não sabia porque achava tão difícil esperar, sabia de mil motivos que a sociedade poderia ter o influenciado nisso, mas também sabia que sabia pouco das suas coisas. Era complexo e sabia.
  Ao colocar a perna de volta pra casa pelo vão aberto da janela, sentiu o calor beijar sua pele com seus pelos arrepiados. O movimentou teve uma rápida pausa mecânica no meio do caminho, tinha acabado de ter um déjà vu. Ali, na janela de seu quarto, com o vento janela adentro e fumaça boca afora, sua samba canção com listras brancas,vermelhas e azuis, seu espelho posicionado cuidadosamente ao lado da cômoda e seus chinelos dormindo ao chão, cada um apontando para o um diferente. Teve o súbito desejo de mudar seus déjà vus. Fazer com que soubesse que já passara por ali antes de passar por ali. De fato, ver o futuro. Tal desejo logo apertou seu coração com tamanha força que fez seu rosto retorcer. Saber do futuro? Não. Nunca poderia arcar com o futuro. O passado já era uma bagagem extra pesada demais e o presente nunca parecia realmente estar ali, sempre ficando velho e perdendo o nome. Não sabia onde se prender exatamente. As vezes o presente lhe abraçava mas as vezes fugia. O futuro não é pra mim, ainda.

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