sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Nadar

  A piscina é funda. Mergulho o suficiente para encostar os pés no piso, dou um impulso pra cima e depois de inspirar com selvageria, encosto os pés na parede atrás de mim e me lanço para frente. É libertador, meu corpo cortando a água e fazendo parte dela. Mãos apontadas para frente, movimento que progride, avanço, suavidade, descanso.
  E então preciso me esforçar. Braçada, ar, braçada, soprar, braçada, ar, braçada, soprar. Chutar para dentro, mexer os quadris, mexer os pés, mexer as pernas. É tudo mais pesado, aquático. É cansativo, explícito, rígido.
  Mas estou na água. Estou no meu lugar, no meu elemento, no meu eu. Tento me focar numa natação em atenção plena, então coloco meus pensamentos na água entrando e saindo dos meus ouvidos, na respiração forçada, no meu rosto molhado. Mas não consigo. Estou cansado demais, quero me perder nos meus vícios de fazer metáfora de tudo, pensar em tudo, lembrar de tudo. Então a cada braçada penso nos rostos, nos momentos, nos desalentos. Penso nele, naquele outro, naquelas coisas, penso em mim. Penso naquele instinto sórdido e mau que quer fazer o pior de mim. Mas peço ajuda a agua, porque ela me entende tão bem, me completa tão perfeitamente...
  Eu nado e não há nada mais. Eu nado porque, por um momento, as coisas são simples e eu só preciso chegar de um ponto ao outro, não importa o quão difícil pareça. Quantos quilômetros se fazem dos metros que devo ultrapassar. É simples.
  E não seria realmente tão simples assim? Invoco de novo, para você que lê meus textos, aquele meu querido mantra. Como água de rio, vem, fica passa. Aceitação é cura, e eu gosto de dizer isso desde que soltei a frase com ele, e ele disse algo como "isso é algo bonito".
  E aí que eu continuo em constante cura. A vida passa o tempo todo me fazendo aceitar coisas, mas não digo sobre aceitar aquilo que posso mudar, ou aquilo que eu preciso mudar e que, racionalmente, deve ser mudado. Eu falo de resiliência. De ver as coisas como são e abraçá-las desse modo. Abraçar-me como sou, aceitar-me como sou. E aceitar tudo como é, mesmo que as vezes pareça uma perfeita merda.
  Então estou eu na fila do ônibus, bem nadado e cloro no cabelo. Fones de ouvido tocando Young The Giant. Quando chega no fim da música, onde tem apenas um instrumental, penso em pular a faixa. Mas me freio por um momento. Por que eu quero pular de faixa só porque essa está no fim? Por que não me deixar levar, com calma, pela playlist suffle do meu celular? Com o dedo pousado no botão, inspirei, expirei e aceitei o fim da melodia. Ouvi seu instrumental com um pensamento acolhedor, com uma postura de recebimento. Aí veio o silêncio. A música acabou, a fase acabou. Passou. Sem medir esforços, eu passei pelo que minha ansiedade pedia para pular. Já não sabendo mais onde terminava a metáfora da minha playlist e começava a minha vida, esperei pela próxima música, destinado veemente a ouvir toda ela. A, mesmo que fosse uma que eu não gostasse tanto, aceitá-la como ela é. Ouvir a música como eu vivo a vida. Foi aí que tocou a minha preferida. Um sorriso inesperado tocou os meus lábios e eu ri. Aceitei as coisas como são. Porque elas são sempre mais verdadeiras e melhores do que como deveriam ser.

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