Minha mãe sempre dizia que o pai da mentira era o diabo. Nunca desmenti até porque eu, criança, com a mesma inocência de um adulto mas à anos do direito de poder negá-la, aceitei o fato de bom grado. O pai da mentira era o diabo e o diabo era mau.
Não cresci um grande mentiroso mas que menti muito, ah se menti. Uma mentira aqui e outra ali, o Deus da minha mãe nem iria se dar conta, talvez até ele mesmo acreditasse em mim às vezes. Hoje, adulto, me dou o crédito de ter sempre mentido por bons motivos. Hoje, adulto, mentiroso e inocente. Bons motivos são a princípio de um conceito público mas que bastam serem questionados por alguns segundos que sua realidade pessoal vem à tona. Mentiras por bons motivos nunca passaram de mentiras pessoais e nunca chegariam a ser parte de um consenso. Eram mentiras.
Em algum momento, minhas pequenas amigas nada verdadeiras começaram a tomar novas formas. Elas cansaram de viver na boca e fugiram para outro lugar. Não os ouvidos dos outros, não. Fugiram para dentro. Acharam em mim um hospedeiro saudável para se alastrarem. Não sei ao certo onde ficaram, mas imagino que meu coração tenha sido sua casa. Vermelho, pulsante, vivaz, grande anfitrião.
Naturalmente as mentiras de dentro se tornaram perigosas. Até porque não é como se pudesse haver algum outro músculo que fosse tão intenso e poderoso como esse para produzir coisas tão intensas como essas. Penso no diabo e nas suas filhas, seriam as de dentro até mesmo tão perigosas quanto as de fora, mas pelo menos essas da boca nós sabemos o que são. Sabemos da verdade. A verdade só é verdadeiramente libertadora quando se sabe da mentira. A vida é assim, por cultura ou por instintos antigos da espécie, se sente mais com a perda do que com o ganho, e nada é avaliado sem comparar pesos. Nada é valioso por si só, e ponto.
As filhas já me disseram que eu não era bom o suficiente. Uma vez, no canto do meu ouvido durante aquela tarde esverdeada de verão, me disseram que eu nunca poderia ser feliz. Suas vozes eram claras e iam do meu coração todo o caminho até meus ouvidos principalmente nas noites enquanto estava sozinho fugindo dos pensamentos. Elas me diziam que eu não podia sentir. Era errado. Era incorreto. Me faria mal.
Mentiras. Elas dizem que eu não posso chorar por ele. Elas me gritam que eu não posso dar valor aos beijos fortes e abraços longos, que a água quente batendo nas nossas costas enquanto abraçados como um só é algo que precisa ser exterminado e, não sendo possível, guardado nos confins da minha memória, para que mais ninguém possa achar. Elas me sussurram gentilmente que tais pensamentos me fazem mal.
Filhas do diabo, não as culpo. Sei que me querem o bem e realmente sinto muito por as ter deixado tanto tempo morar comigo, na intimidade do meu ser, talvez agora pensem que fazem parte de mim, mas não mais. Eu simplesmente não posso mais negar toda essa carga absurda que me veio junto naquele parto de cesariana aos berros da minha mãe no Rio de Janeiro em mil novecentos e noventa e seis, às oito e quarenta daquela noite de julho. O peso cresceu durante todos esses anos e hoje o carrego incerto, mas determinado a entendê-lo. Eu sei que a jornada vai ser longa, que tenho medo e não estou preparado, mas preparação nunca foi pré-requisito pra essa vida. Portanto, parasitas do coração, não sei se sentirei falta, mas começaremos a dizer adeus. Está na hora de finalmente abrir esse músculo às minhas próprias verdades, e elas desde já me falam coisas. Elas me falam melhora.
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