Seus olhos ainda estavam fechados quando despertou. Ouviu o vento uivar janela adentro e então os pelos do braço arrepiaram. Cobriu-se e encolheu-se como um pequeno animalzinho friorento em busca de calor. O vento continuava a roubar-lhe conforto. Ele uivava, rodava pelo quarto e cercava-o como um predador faminto. Cada brecha do cobertor permitia uma entrada violenta do frio em forma de ar que insistia em incomodá-lo.
Abriu os olhos. E vieram. Todas as memórias. As conversas, os medos, os anseios, os erros. Tudo lhe invadiu a mente como um veneno que logo foi se espalhando pelo corpo. O frio ficou mais intenso. Observou as cortinas dançarem com euforia enquanto apertava mais a coberta contra si. Puxou todo o ar possível para os pulmões e falhou em tosses ruidosas. Cigarro, pensou. Fechou os olhos de novo. Viu seus pensamentos banhados pela escuridão. Tantas coisas... Tanto tempo...
Sentado na cama, deixou a coberta escorrer pelo seu corpo nu e cair no chão aos seus pés. Olhou para eles e mexeu os dedos preguiçosamente. Juntou as mãos acima da cabeça e se esticou com toda a força que poderia recolher naquela manhã cansada de domingo, ouviu um estalo nas costas e se contentou. Foi até a janela contra o vento que já não despertava muita coisa no seu corpo dormente. Apoiou-se com os cotovelos no parapeito e observou a rua deserta que terminava na banca da esquina, com o seu José sentado num banquinho branco a fumar seus cigarros. Levou o olhar para os prédios, depois para cima deles. O céu estava branco, aquele branco frio e aconchegante que sempre lhe agradou.
Cresceu ouvindo que o frio era ruim. Que a chuva estragava os planos e que as nuvens traziam dor, tristeza, angústia. Nunca fora assim com ele. Amava os tempos nublados. Sentar ao lado da janela com um café e olhar a chuva escorrer pelo vidro. Ver um filme embaixo das cobertas. Beijar alguém sob o céu nublado lhe preenchia o peito de tal maneira que sol nenhum prestaria-se ao feito.
Mas o céu branco não lhe despertou muita coisa hoje. Minha cabeça está cheia, repetiu seu mantra. E realmente estava. Cheia daquelas pessoas, daqueles compromissos, daqueles padrões a seguir, daqueles sentimentos a domar. Sua cabeça estava cheia desde que abriu os olhos, estalou os dedos, levantou e viu que estava vivo. Queria cortar a correnteza que inundava sua alma e cansava seu espírito. Queria esvaziar de toda aquela água. Mas já estava acordado. Já estava vivo.
Fechou a janela do vento mas não se atreveu a fechar as cortinas. O calor súbito já era o suficiente e não queria ficar na escuridão. E então fechou os olhos, encostou a testa no vidro gelado da janela e respirou fundo, dessa vez com os pulmões cooperando. Analisou tudo. Todas aquelas coisas que lhe preenchiam. Nem mesmo se preocupou em colocá-las em ordem. Apenas as observou.
Voltou para a cama e deitou sobre os lençóis desarrumados. Cheio. Quente. Aquecido.
Vivo.
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