sábado, 19 de novembro de 2016

Alho

Sabe as memórias? Guardo elas. Gosto de colecioná-las, visitá-las de tempos em tempos. Salvá-las da poeira e organizar tudo direitinho nas prateleiras da alma. E aí que eu lembrei de você hoje.
Mas não lembrei simplesmente de você. Do teu rosto já sou familiarizado. O passeio do seu sorriso já é comum aqui atrás dos meus olhos. O que resgatei foi uma lembrança guardada lá no fundo da prateleira, derrubada e empoeirada, como um livro esquecido. Não foi por querer, eu simplesmente deixei de visitá-la e a larguei para trás. Talvez fosse meu cérebro eliminando aquilo que não deve ser lembrado. Talvez seja meu cérebro querendo ter a racionalidade que me falta.
A questão é: A memória, por ser tão pouco lembrada e tão quase esquecida foi absurdamente impactante. Ela veio junto de um frio na barriga que me perdi por uns momentos nos seus detalhes.
Foi quando senti o gosto de alho na comida e lembrei da Abramović comendo alho naquele filme dela sobre sua jornada pelo Brasil. Lembrei que foi você quem me levou pra ver esse filme. Lembrei da frustração de quando toquei no seu braço enquanto assistíamos o filme e não recebi resposta. Quando chorei numa parte bonita do filme, ouvi você fungar e vi que você também chorava. Lembrei quando, naquela sala escura de cinema, deixei meus devaneios me levarem para longe com você. Quando saímos, você me deu carona na sua bicicleta e eu lembro bem como você cansou de ter feito todo o percurso de Icaraí até sua casa comigo na garupa. Os beijos desse dia, nossos toques, o sexo. Tudo dentro desse pacote de memórias.... E agora? O que faço com tudo isso?
Acho que limpo, guardo junto do resto. Me perco algum tempo olhando com orgulho e felicidade. Uma pequena conquista. Um prazer de poder guardá-la ali, junto de todas as outras memórias que coletei. Olho para o lado e vejo prateleiras vazias e prontas para receber mais informação, mais dias, mais experiências inesquecíveis.
Porque, meu bem, como a graciosa Elis canta, minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.

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