quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Enrolar sacolas

 Por quê caralhos estou enrolando sacolas?

Vou tentar escancarar os fatos em palavras, embora faça muito tempo que não venho aqui, tanto que ponderei um tempo sobre qual “porque” usar na primeira frase. Já escrevi um livro, pode imaginar? Eu não. 

Mas voltando; Por quê caralhos estou enrolando sacolas? 

Um lugar para as de tamanho médio, um para as de tamanho pequeno e outro para as grandes. Não paro de pensar na maneira que minha mãe costumava a enrolar sacolas depois de voltar do mercado. Como toda tarefa doméstica, eu não conseguia fazer do mesmo jeito que ela. É estranho sentir falta das raízes que formaram meus traumas. Mas hoje, só hoje, consigo ver o amor por trás do esporro. Que amor teimoso. 

Segure pelas alças, puxe a sacola num tranco para que o ar lhe dê um formato mais uniforme, a esprema de cabo a rabo para virar um cilindro. E depois? Lembro de vê-la enrolando a sacola em volta do punho e fazendo um nó que a deixava compacta, pronta para se acomodar junto com todas as outras. Eu costumava a dizer que aquilo era desnecessário. Não digo mais. 

Enquanto conseguia minimamente enfrentar toda aquela bagunça de pensamentos cruzando minha cabeça e eclodindo no meu peito, comecei a arrumar a casa. Quando me deparei com o lugar onde guardo as sacolas transbordando, com a alça podre prestes a cair da parede, decidi enrolar as sacolas.

Mas eu sei que não era o que tinha planejado. Eu tinha planejado lavar a louça, varrer.... Tinha? Em tempo real, enquanto escrevo, me pergunto, atônito: O que planejei? Se me ponho em retrocesso e análise, percebo que não planejei nada no final de contas. Talvez tenha jogado constatações mentais como uma pedra no fundo de um poço, “Vou fazer o que puder, porque desde que eu faça todos os dias, a bagunça e a sujeira não vão continuar acumulando.” 

É claro, tenho a sisterna cheia de cocô e mato para limpar. O caminho desde o portão para abrir. Os matos da minha fachada para tirar. Minha varanda para coletar todo o lixo que varia entre bagulhos e até mesmo roupas que viraram farrapos de tanto tempo largadas. A área da piscina com uma cortina que tirei para lavar alguns meses atrás, em outra epifania de limpeza. Minha sala, com a estante cheia de documentos importantes que nunca mais consegui organizar, ela virou uma alegoria para o ponto de partida da minha resolução da faculdade, já que alguns documentos que preciso estão lá. Minha faculdade.... Quase dez anos de formação, muitas dores e reviravoltas para chegar num currículo 100% completo mas ainda assim, sem a coragem para mandar emails e descobrir como receber minhas horas complementares e me formar. É literalmente uma burocracia a se resolver, depois de tudo o que passei. Falando em burocracia, nunca imaginei que me demitiria de algum lugar e não daria baixa na minha carteira de trabalho por mais de 4 meses. E são quantos bancos, 5? Quanto em dívidas, dez mil? Não é exagero. 

 Aqui, dentre os cômodos que perdi pra bagunça e as roupas largadas, carrego baldes por falta de água encanada. A quase cada minuto, tenho espasmos físicos quando um relance de algum desses temas listados acima batem na minha cabeça. E aí me pergunto: por quê estou enrolando sacolas? 

Uma voz baixa e rouca fala ao fundo que eu devo me lembrar de todos os dias que não enrolei sacolas e também não fiz nada além, que eu deveria me parabenizar por um ato tão simples porque é uma imagem de superação. 

Mas as outras vozes gritam, com frequência e desenfreadamente: Você está enrolando sacolas. Não deveria fazer todo o resto?

Como dói acreditar nas vozes que gritam me obrigando a ter um desempenho sobrehumano quando vivo em condições desumanas. Encurralado pelas paredes, pela sujeira e por mim mesmo. 

Quero acreditar na bênção de enrolar sacolas. E na energia comprovada aqui, por meio de palavras, de que eu posso fazer algo mais do que apenas apodrecer e esperar minha morte. 

Factualmente, é verdade que devemos desistir de tentar resolver tudo e dar atenção às coisas paulatinamente, vez atrás de vez, para não sermos consumidos. Mas aqui estou eu, a enrolar sacolas, sendo consumido ainda assim por tudo que não faço, como se não houvesse outra escapatória para esse caos que me meti a não ser transcender. Evoluir para um outro tipo de ser, sem condições e distúrbios, forte e saudável, refrigerado e são. E se não transcendo, apago. 

Quero lembrar da minha mãe. Ela não me passou bem como enrolar sacolas e nem a sua fé. Mas aqui, sentado no chão da cozinha, acabei de descobrir outra forma. Começo como minha mãezinha, mas depois do cilindro, eu dobro a sacola ao meio e dou um nó. Estranho e sem jeito, mas parece funcionar. Elas não abrem e ficam compactas. Provavelmente se ela visse, iria me julgar. 

E a fé? Também não aprendi. Apenas, de alguma forma, a herdei depois de sua morte. Ela é torta e sem jeito, mas é. Algo me diz que não há enrolar sacolas sem ter fé e nem ter fé sem enrolar sacolas. Quero acreditar que um dia eu chegarei lá. 

E não estarei sozinho, levarei os meus amigos. 

Por enquanto, vou enrolar sacolas

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Ao mesmo tempo

Tudo ao mesmo tempo 
Todas as emoções, todas as faltas
Tudo ao mesmo tempo
Todos os vícios, todas as dádivas
que, momento ou outro, recebo
Mas de resto, é tudo
Tudo ao mesmo tempo 

Chego em casa, onde tomo minha dose?
De tantas substâncias, virei pó
E se me colocam na palma da mão
Desapareço com um sopro
Tudo ao mesmo tempo

Meu ensino superior? Lascou
Relacionamento? Acabou
Nem me demitir consegui
Como um arrebatamento, 
estou preso entre andares
Nem vida, nem morte
Mas tudo ao mesmo tempo 

E meus dons, fui perdendo
Não ao mesmo tempo
Pouco a pouco, lá dentro
Como um cacto sendo despido
Espinho por espinho

Tenho medo
De tudo, todo o tempo 
Mas principalmente
tenho medo de que eu mesmo
não dê mais espaço ao que fui
nem sala ao que posso ser

Como deve ser
dar um passo apenas depois do outro,
não antes
Como deve ser, não enrolar as pernas
Deixar cada coisa no seu tempo
E eu, todo
Respeitar o momento 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

É manhã

É manhã
Não sei se aprendi

Silêncio

Não escrevo mais, isso esqueci
Agora só faço versos 
de melodias que não sei cantar

Hoje trabalho
Coloco meu pé no mundo
Mas tenho medo 
O mesmo de ontem e do ano passado 

Ainda sei falar?
Drummond e Pessoa me tiraram as rédeas da rima 
Quais me prendem agora?
Não sei

Silêncio

Onde está o peso das minhas palavras?
Foi uma boa ideia voltar aqui?
Num tempo de tantas voltas, nenhuma me edifica
E mesmo ele me romperia 

É tudo por um bem maior
Essas águas vão passar?

Silêncio

Hoje vou levar o dia contemplando 
Onde foram parar meus pensamentos
De quando era poeta
Onde está situada minha estrutura
de quando era diferente, mas firme

Silêncio

É difícil me despedir de um poema
Que me deixou triste por mostrar
O que eu já fui um dia
pela contraposição do que não tenho

Espero
Que a referência então seja do futuro 
Para que eu contraponha a luz com meu presente
Que é iluminado por feixes escassos
E mesmo em fragalhos
Às vezes meus olhos castanhos ainda iluminam

Silêncio

Iluminam?
É um marrom diferente quando acontece
Como se meus olhos perdessem vendas 
E ganhassem cor

Silêncio

Sejá lá como for

quarta-feira, 29 de maio de 2024

water and flowers

I'm clean
Therefore, I see the dirt, everywhere, everytime
Im a hostage with open doors
Far cry 
Just a memory for those who visited my body, touched my soul 
What's the weight of lost dreams, false hopes and pain?
Certainly more than I could bear
Even though I'm here, I don't feel the same
But this time it's different 
Tomorrow seems beyond range 
And All I can touch is dust
On the ground, from my body
A vessel used to dream 
I just wanted water and flowers
But I got this
And whatever has been poured in 
Dooms the vassel 
Cracks the soul 
Crashes the heart
And glue it would be a daydream wishful thinking

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

tragédia

Parte 1

Tenho medo de morrer buscando algo que estava aqui o tempo todo
Passar a vida correndo atrás das coisas e correndo para fugir das outras
Que tragédia, olhar as folhas, sentir a brisa fresca, os respingos da chuva de verão, o abraço do amado
Que tragédia passar por tudo isso com medo, ânsia, angústia, dor enraizada no peito.
Reclamo do que não tenho, e muito 
Mas reclamo ainda mais do que tenho e que mesmo assim não consigo tocar, compreender, sentir

Uma tragédia
Não ter medo de nunca melhorar, não
A tragédia é não saber se há capacidade em mim de ser feliz, de olhar as pequenas coisas
Sofro, mas queria sofrer menos
Choro, mas ainda tenho braços e pernas, piso firme
Grito, mas poucos ouvem minha voz abafada
Caio, me arrasto e caio de novo, mas tenho esperança
Por isso espero, mesmo que pouco e à contra gosto, espero

Parte 2

Então vou esperar sem sentar quieto
Vou correr, buscar ar novamente, tocar os tecidos
Sentir os cheiros, amar e ser amado
Apesar das dores, dos abandonos, das mágoas

Vou viver, de alguma forma, vou continuar
Até o dia em que meu corpo ser pó e virar um com o mundo 
Até esse dia eu vou fazer o que posso 
Correr na minha velocidade, andar no meu ritmo
Até lá, vou indo
Uma respiração de cada vez, uma página de cada vez
Agradeço ao calendário 
Nada como um dia após o outro

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Mais je ne la veux pas.

Ils ont volé ma joie de vivre

Est-il, l'ennemi, public ou privé?

Si public, est-il le monde en guerre contre moi,
qui perece, sans armes? 
Ou, est-ce qu'elle me manque la capacité de bien  voir le monde et de ne plus me blesser

Si privé, je me'en prie, donnez-le moi
Ça déjà existait, je sais, je me souviens,
c'est pas une mensonge

C'est vrai! J'ai déjà été heureux!

Et je prie, je crie, je lamente 

Vivre

Malgré tout, vivre

domingo, 9 de outubro de 2022

Lugares e Pessoas

 Como meus antigos dessas terras, o espelho me deixa atônito
Também como eles, daqui às ilhas do Caribe, tive algo roubado 
O lugar, as Pessoas, todos que estavam ali. 
Possuídos, condicionados, cortados.

As ruas dos lugares que vivi trazem um pouco daquilo que não se tem mais
nas memórias enfurnadas entre os comércios, ruas, casas, praças e rostos conhecidos.
Mas metade das portas foram fechadas e o vento já não leva uma brisa tão fresca pelas ruas como antes. 
E pior, até mesmo minha antiga casa virou parte da realidade bruta, que espanca a memória.

Lugares continuam a existir sem que estejamos lá, o mundo de fato, gira. 
Mas quando voltamos, porque já não vemos mais nada? Não sentimos mais nada
Não há com quem falar, não há teto onde dormir, há apenas um lugar
Que existiu mas hoje faz algum papel que não me incomodo em explorar

As Pessoas não continuam
Como colonizados, levados embora, um à um 
Ou eu, ou eles, não fujo da fila nem tento interromper a roda, que gire
Às vezes, até mesmo, por vontade própria,
com despedidas esganadas pelos dentes que saem pelos lábios quase como um suspiro

Os lugares e as Pessoas vão
E não saber pertencer pode até não ser tão ruim quanto não saber sobreviver
à todas as mudanças e navios piratas que nos levam de tempestade em tempestade
E passamos os dias nos perguntando até quando esse casco irá suportar o tranco das marés